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Lula me lembra Zelig, o hilariante personagem do filme homônimo de Woody Allen, que vai se transformando fisicamente diante dos outros, para ficar pa­­recido com eles. Como no "documentário" sobre Zelig, o tempo todo vemos nosso herói sorrindo com Obama na Casa Branca, fa­­lando sério em Co­­pe­­nhague, altissonante no Mer­­co­­sul, companheiro na Bolívia, nobre em Buckingham, comu­­nis­­ta em Cuba, católico no Vati­­cano e por aí vai. Segundo a tradição miscigenante da cultura brasileira, Lula, como Zelig, transforma-se camaleônico no que for preciso de modo a ficar sempre no mesmo lugar – é uma "metamorfose ambulante", como ele mesmo se definiu. Na lógica astuta do país, tudo se rege por um senso perpétuo de amortecimento de conflitos e adequação biológica ao meio ambiente.

Seu governo é a expressão de nada; o herói carismático vê-se carregado nos ombros da mais azeitada e obediente máquina partidária do Brasil moderno, que funde um projeto messiânico-revolucionário com a burocracia democrática colocada a seu serviço, a cada dia mais esvaziada politicamente. A única ideo­­logia que resta é uma política externa esfarrapada que dá ta­­pinhas nas costas de Ahmadine­­jad e ruge furioso contra a eleição de Honduras, que poderia, pela sim­­ples força do bom-senso, re­­colocá-la nos trilhos; que devolve em poucas horas à ditadura cubana dois atletas fugitivos e re­­siste tenazmente a extraditar pa­­ra a Itália alguém condenado por crimes comuns num Estado de Direito. Fala em "pragmatismo" e perde todas as eleições em que se mete nos fóruns internacionais, enquanto ri na fotografia.

O imenso Brasil popular que veio à tona por força do Plano Real e do otimismo econômico dos anos 90 parece ter encontrado em Zelig o seu mantra político-religioso. O que fazer com o povo brasileiro que, súbito, está nas ruas, de celular na mão direita e tacape na esquerda? Nada a estranhar nos maços de dinheiro enfiados em cuecas e bolsos do DEM e do PT, abençoados por rezas compungidas de ladrões sinceros – como Lula se apressou a dizer, são cenas "que não falam por si". Afinal, o país de maior mobilidade social do mundo é também o único em que um deputado fraudando um painel de um Congresso Nacio­­nal vai se tornar em pouco tempo, inocente, governador do Dis­­trito Federal.

Nada melhorou em nenhuma área. A educação básica patina nos seus piores índices de sempre – enquanto abrem-se dezenas de universidades federais prontas a ocupar o rabagésimo lugar de relevância sob qualquer critério. A lógica que nos arrasta é a da mendicância e a do pátio dos milagres – empresários mendigos, políticos mendigos e povo mendigo, esperando de boca aberta e mão espalmada o sorriso de Silvio Santos a jogar dinheiro na plateia. Faltava um bom ator para o papel – o próprio Silvio Santos até que tentou, mas levou uma rasteira jurídica mais esperta ainda na alvorada de Collor. Agora, Lula é o cara.

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