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Violência nos estádios, corrupção na política, descortesia no trânsito, criminalidade. Para muitos, são sintomas da profunda crise de valores pela qual o país passa. Que, por sua vez, é reflexo da perda de referências em um mundo em que tudo parece fluido e incerto – o que leva cada qual a ser seu próprio juiz do certo e do errado. Nesse cenário, emerge com força o discurso de resgate da ética. Mas como saber quais são os grandes princípios da convivência social? Talvez não seja coincidência: as dúvidas sobre o agir de acordo com a grande ética caminham junto com um certo menosprezo pela pequena ética – a boa e velha etiqueta.

Os "bons modos" e a gentileza parecem andar fora de moda. Pudera. Há motivos para tal. Historicamente, a moderna etiqueta nasceu com a nobreza europeia, que a usava para se diferenciar dos burgueses emergentes e do povo. As regras do bom trato hierarquizavam. Distinguiam quem era nobre e quem não era. Separavam os superiores dos inferiores. O verbo "etiquetar", que significa "rotular", guarda essa acepção.

A faceta elitista e discriminatória da etiqueta explica certa rejeição contemporânea às regras dos bons modos. Atualmente, a igualdade é um forte valor político. Mas certas interpretações do igualitarismo são radicais em excesso. O filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da USP, cita que parte das feministas rejeita inclusive a cortesia masculina. Quando um homem cede a vez ou o lugar a uma mulher, seria uma demonstração de que ele tem algo a dar – o que o colocaria em uma posição de superioridade.

Mas Ribeiro mostra uma saída para o impasse. Assim como a etiqueta monarquista ressaltava um aspecto fundamental daquela sociedade (a hierarquia), os bons modos modernos podem refletir a igualdade que se preza hoje em dia. Assim, tratar alguém com gentileza, de forma igual à que se espera que os demais nos tratem, é um sinal de que se reconhece no outro um igual.

Pode parecer fácil. Fica mais difícil quando o outro é alguém em condição econômica inferior. Afinal, destratar pobres é uma triste realidade brasileira.

Mas o exercício da etiqueta da igualdade – a simples cortesia com todos – talvez seja o primeiro e pequeno passo na direção da grande ética.

PS: para quem se interessar, os argumentos de Renato Janine Ribeiro foram extraídos da palestra "Ética e Etiqueta", exibida pela TV Cultura no programa Café Filosófico, patrocinado pela CPFL. A palestra de Ribeiro está disponível na internet.

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