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Vim a Guaratuba apresentar o oceano à minha caçula. Levei o bebê à praia, protegido do vento, e o ergui diante das ondas, na esperança de que se admirasse com o que via. Não se admirou. Ao contrário do oceano, que até pareceu serenar. Aqui está ela, bradei, a menina nos braços, como num ritual pagão. O mar deu um último rugido, satisfeito, e mandou suspender boa parte dos naufrágios e afogamentos do dia.

Sim, é imensa a importância que damos ao mar e aos nossos filhos. Meu bebê, no entanto, não deu a mínima para o mar. Seus olhos, que ainda não desistiram daquele azul do início da vida, vagaram pelo vazio da orla, buscando qualquer coisa menor e mais próxima deles: uma abelha, uma libélula, uma andorinha. A paisagem não existe para o bebê, e foi por isso que coloquei a menina no chão, para que se distraísse com a areia.

Sua atenção, agora, era das formigas, das conchas, das baganas. Ela queria se entender com o miúdo, sentir-se gigante. Sua sensibilidade era para o detalhe, para o personagem remoto, iludido, e não para o cenário impossível de se abarcar. E, assim, vi que nossa paixão pelas grandezas pode ser, no fundo, só um desvio, uma perversão que nos domina com o avançar dos anos, com a evolução da curiosidade.

É imensa a importância que damos ao mar e aos nossos filhos

Minha filha mais velha, por exemplo, já se preocupa com abstrações cósmicas. Está se alfabetizando e, mesmo de férias, quer escrever na areia molhada. Faz perguntas difíceis, que me obrigam a dizer “não sei” ou “ninguém sabe” a cada cinco minutos. Agradeço a ela, pois esses lembretes à minha insuficiência me mantêm longe do pedantismo e aumentam a amizade entre nós.

De todo modo, as dúvidas de minha filha pertencem à minha filha, e não a mim, e este é o meu painel semanal, particular, de espantos e vergonhas, mais que de orgulhos e descobertas. O cronista é, sobretudo, um cortejador de coincidências, e é esta condição que me leva a amarrar as pontas soltas deste e daquele acontecimento, e emaranhá-las com certo arremedo de técnica e arte até chegar a um novo laço, um nó original. Dar nós, vocês sabem, é um desafio irresistível ao toque engenhoso da humanidade. Desatá-los, nem tanto.

Dito isso, conto o seguinte: depois de mostrar minha caçula ao mar, sentamos num banco de madeira no calçadão. A poucos metros da gente, descansava um senhor imóvel e talvez centenário, um homem clássico do interior, cercado por nove netos ou bisnetos barulhentos, cujas idades variavam dos 10 aos 20 anos. Foi um deles quem, de repente, deu o alerta: “Vô, olha a baleia!”

Todos se sobressaltaram, excitados, menos o velho e o meu bebê. No mar não havia nada, mas os meninos gritavam, dançando ao redor do avô, numa ciranda meio malvada, meio inocente: “A baleia, vô, a baleia!” Quanto mais o velho apertava os olhos, tentando ver, mais precisos se tornavam os moços: a baleia estava saltando, acenando para nós, brincando de chafariz. A baleia era preta, era azulada, tinha manchas brancas no dorso, cracas na barriga, usava gravata, mandava beijos e bananas, sorria de lado.

E tanto mentiram os meninos que o velho, rindo com eles, cego e maravilhado, conseguiu enxergar não apenas o grande animal invisível sobre as ondas, mas também a si próprio cavalgando o Leviatã, rejuvenescido em meio à espuma e aos lampejos solares, um herói domando a miragem, extraindo um resto de glória da narrativa zombeteira de seus herdeiros.

Foi aí que, irritado, o mar mandou suspender nosso sol e começou a garoar. Meu bebê nem ligou para a chuva, claro. Gostou, no máximo, de uma ou duas gotas.

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