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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O sucesso do filho é um elogio aos pais. Não só aos olhos dos próprios progenitores, mas de toda a sociedade. Da mesma forma, o insucesso do filho depõe contra os pais.

Ao criarmos um filho, estamos nos dedicando a um projeto pessoal, assim como um artista se dedica à sua obra. Projetamos na criança expectativas e sonhos, convicções sinceras e vaidades. O filho deve, no mínimo, nos igualar. Deve partir do ponto em que estamos e no qual o colocamos e ir além. Este ponto de partida é a nossa situação educacional, social e econômica. Se dou esta posição para meu filho, é natural esperar que ele não se acomode, e muito menos retroceda.

Os pais de usuários de drogas ilegais carregam solitariamente fardos de culpa

Pais e mães se sentem responsáveis em grande parte pelos fracassos dos filhos. Culpam-se cruelmente por insucessos e infelicidades. Entre eles, talvez ninguém sofra mais que os pais de dependentes químicos. O vício lhes rouba os filhos, sobre quem passam a não ter mais influência, mas ainda assim se sentem responsáveis. Perguntam-se o que deveriam ter feito diferente, o que mais deveriam estar fazendo hoje e seguem à procura de uma ação mágica que retire seu menino ou sua menina daquela masmorra. A sociedade não facilita a vida deles. Ainda que não se fale abertamente sobre isso, é comum supor que alguém desenvolveu a dependência por causa de algo que aconteceu dentro de casa. As duas suposições mais comuns são as de que o dependente foi mimado demais ou desprezado pelos pais.

A sociedade é mais condescendente com as famílias de alcoólatras porque é mais complacente com o próprio consumo de álcool. Sinônimos que explicam tudo. Bebidas alcoólicas são legalizadas e estão presentes em toda festa familiar. Do batizado ao casamento, do almoço de domingo à festa de debutante.

Os pais de usuários de drogas ilegais carregam solitariamente fardos de culpa, impotência e aquela eterna suspeita de terem errado. A situação piora se chegar ao próximo nível. Se o dependente avançar para o tráfico, o que é comum de acontecer, torna-se também um marginal. Poucas figuras provocam tanta ojeriza na sociedade quanto os traficantes, pessoas que lucram com a desgraça dos outros. O dependente químico que trafica para manter o próprio vício ou porque não consegue mais fazer qualquer outra coisa na vida deixa de ser visto como um doente para ser olhado como alguém que tem um caráter ruim. Só as pessoas que o amavam desde antes da dependência vão continuar vendo-o como um ser humano com qualidades e que age dominado por uma doença. Para os demais, ele passa a ter uma nova identidade: criminoso.

Os dependentes químicos são, aos olhos de seus pais, frutos que caíram longe da árvore. Não era isso que se esperava deles. Mas ser dependente químico não compõe uma identidade, ao contrário de ser surdo ou anão ou prodígio – estes têm uma característica que os distingue do restante da comunidade, mas que os aproxima de seus pares, com os quais podem formar uma comunidade rica e saudável. A dependência química é apenas uma doença, uma doença que se torna, é verdade, a própria identidade do doente, mas da qual ele precisa se livrar para continuar vivo.

“É preciso uma aldeia para educar uma criança”, diz o provérbio africano. A aldeia (sociedade) se mobiliza para cuidar de seus melhores frutos. As escolas, por exemplo, são feitas para eles, para os normais, para os que têm um potencial reconhecido pelos que são maioria. Aqueles que caem longe da árvore são esquecidos. Os pais de crianças especiais sabem bem disso. São sempre eles que precisam se mobilizar para conseguir escolas para seus filhos cegos, autistas, deficientes físicos, Down. Já notou que as instituições que cuidam dessas crianças sempre surgem de mobilizações das próprias famílias?

Solitários, envergonhados, os pais dos dependentes químicos não contam com a ajuda da aldeia. Muitas vezes, a aldeia tem raiva deles e de seus frutos. Quanto mais fundo o filho afunda no mundo da dependência, mais sozinhos ficam os pais. Para eles é dada uma pena maior que a vida.

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