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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Casa de brasileiro é limpinha, não dá para negar. Somos bons nisso, meticulosos até. A higiene pessoal é vista por aqui como uma qualidade moral. “Pobre, mas limpinho”, quem nunca ouviu? Em outras palavras, não ter dinheiro é um problema ou até um defeito, mas a higiene redime, mostra que o sujeito é boa gente.

Temos nojo de armário de cozinha onde se nota um pouquinho de gordura. Nossos vitrôs são translúcidos. Nossos banheiros, para serem respeitáveis, têm que estar impecáveis. Levamos limpeza a sério.

Essa história está mal contada.

Começa que quem limpa a casa desse brasileiro ou brasileira exigente geralmente não é o próprio, mas a faxineira. O dono da casa pode até encarar uma faxina de tempos em tempos, talvez no primeiro dia das férias, quando passa horas em busca do pó escondido no fundo do armário. Mas quem já encarou faxina sabe bem que uma coisa é se transformar no Furacão Branco de Ajax uma vez por ano e outra, bem pior, é esfregar, todo santo dia, armários, paredes, vidros, pisos. Diante de uma rotina de limpeza, transformar-se em Furacão Branco por um dia é moleza, a piece of cake – como diriam os do Hemisfério Norte, onde a limpeza doméstica é encarada de outra forma.

A higiene pessoal é vista por aqui como uma qualidade moral

A mania de limpeza do brasileiro nasceu e virou até um traço cultural porque aqui sempre houve mão de obra barata. Brasileiros que vão viver no exterior muitas vezes se queixam da porquice dos outros. Os europeus são alvos constantes dessas críticas. Banheiras encardidas, tapetes que nunca são lavados, vidros que jamais viram sabão proliferam nessa Europa sujinha que brasileiro sempre escrutina com seus olhos de águia.

Pois quero ver se o brasileiro não se transformará em um europeu encardidinho daqui a alguns anos, caso o preço das faxineiras continuar subindo. Do início do século 21 para cá, que foi um período de bonança para a economia brasileira, aquele exército de trabalhadoras sem oportunidade que garantiam a limpeza barata das casas da classe média minguou. Tiveram a chance de experimentar outros trabalhos, ainda que estes não paguem muito mais que o mínimo. Foram para os call centers, para as novas lojas e restaurantes. Foram ver como é ter carteira assinada. Com menos disponibilidade de mão de obra, a diária das faxineiras se valorizou. Se esse fenômeno vai continuar, não sei. Torço que sim, porque é um sinal de fortalecimento econômico do país.

Nossa realidade é atípica. Quem vem de fora nota isso. O espanhol Manuel Castells, professor da Universidade da Califórnia e sociólogo favorito de Fernando Henrique Cardoso, sempre vem ao Brasil. Na última vez, neste mês de maio, fez o seguinte comentário sobre a classe média do país: “Trata-se de uma classe média profissional, que teme perder seus privilégios e que vive melhor que seus pares nos Estados Unidos e na Europa. Quem pode ter dois ou três empregados domésticos permanentes, vivendo em casa ou indo e vindo? Nenhuma classe média do mundo! Pode-se ver famílias com empregados domésticos em outros países, mas em número pequeno. Empregados domésticos como massa importante, só no Brasil”.

É verdade que já diminuiu muito o número de casas que contam com uma empregada mensalista. Aqueles que têm a faxineira diarista pagam a diária e esperam em troca oito horas de trabalho e uma faxina completa, que inclui vidros lavados. Em alguns casos, a roupa passada. Contratando uma faxineira, todos ganham uma casa limpa e costas largas para colocar a responsabilidade por toda sujidade que for notada durante os outros seis dias da semana. Abriu a geladeira e sentiu um cheirinho estranho? “A Fulana está esquecendo de limpar a geladeira.” O pano de prato está encardido? “Tenho que lembrar de dizer para a Ciclana dar um trato nesses panos.” E assim vivemos melhor.

Esse padrão nacional de exigência gera muito estresse entre as donas de casa. Talvez também entre os raros donos de casa, não sei ao certo. Mãe brasileira não é boa em colocar os outros membros da família para trabalhar. Sobra ela e a faxineira para encarar uma exigência de limpeza escravizante.

Daqui a dez ou vinte anos pode ser que a conversa seja diferente. Não porque queiramos mudar, mas porque teremos. Com menos faxineiras, tendemos a ser mais brandos em nossas exigências higiênicas e também em nossas críticas aos “sujinhos”. Um morador de Londres paga imodestos R$ 142 para ter uma cleaning lady limpando sua moradia por três horas (10 libras a hora), sendo que elas não põem a mão na parte externa da casa, nas janelas e nas roupas. Em Nova York, o sujeito gasta só um pouquinho menos: R$ 135 por três horas (US$ 15 a hora). De novo, a definição do que o faxineiro faz é clara e não inclui limpeza pesada ou trato nas roupas. Em Tóquio são R$ 150 (6000 ienes) sempre por três horas. Pode não parecer muito mais caro que a diária brasileira (uma média de R$ 130 em Curitiba, São Paulo, Rio e Porto Alegre, pelo que pude apurar), mas aqui se espera uma jornada de oito horas, o que corresponde a uma hora de R$ 16 ou US$ 5,24. E convenhamos que faz muita diferença uma faxina feita em oito horas de outra feita em três.

Sem as faxineiras, teremos (a) pessoas mais relaxadas em relação a manutenção imperfeita de suas casas ou (b) famílias se matando mutuamente por causa da pia suja ou (c) uma divisão mais ampla das tarefas domésticas. Minha aposta? Um pouco das três opções.

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