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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

A uma altura da vida, as expectativas das pessoas em relação a nós se tornam duras e sem graça. Ninguém mais espera que você relate aventuras e romances que está vivendo; já está bom se não falar de problemas de saúde ou de falta de dinheiro. É como um espelho distorcido, porém convincente: você ainda não se converteu nessa pessoa sem graça que o espelho dos outros reflete, mas, se não reagir, é nela que vai se transformar.

Tem a ver com o que o historiador israelense Yuval Noah Harari chama de “ilusões coletivas predominantes”. A ilusão coletiva que predomina há muitas décadas valoriza a juventude e a produtividade. O sujeito que tem aparência jovem carrega em si uma promessa, um potencial (ele ainda pode fazer muito, pode ter filhos); ou ele é útil porque se mantém ocupado trabalhando, produzindo, criando novidades para o moto-contínuo do consumo. Quem não se encaixa em nenhuma das duas categorias é menos importante na ordem geral do dia. Não estou dizendo que é jogado fora pela sociedade (sei que alguns afirmariam que é), mas sim que as expectativas em relação aos não jovens e não produtivos caem muito.

A partir de uma certa idade, a maior expectativa que percebemos nos outros em relação à nós é que não causemos problemas

Harari fala em ilusão coletiva para se referir a uma crença geral, interiorizada por todos que fazem parte do grupo. É uma verdade para quem faz parte dessa sociedade. Mas em outros tempos ou outras sociedades aquela verdade não existiu, caso da juventude como um valor por si só e da produtividade como um mérito honorável. O que prova que a tal verdade é apenas isso, uma crença, um mito.

Mas meu assunto aqui são as expectativas. Não percebê-las em relação a nós pode ser bom. Mas a baixa expectativa não é exatamente estimulante. Muito pelo contrário. “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”, teria zombado o Barão de Itararé. Educadores dizem o mesmo da relação das crianças com o que se espera delas. Não se espera nada? Elas vão se empenhar para fazer nada. Tenho sentido que, a partir de uma certa idade, a maior expectativa que percebemos nos outros em relação à nós é que não causemos problemas. Dá até para ser mais precisa: comecei a sentir isso a partir dos 40.

Vem dessa falta de expectativas a surpresa festiva com aqueles que produzem obras depois de uma certa idade ou apenas saem por aí, vivendo a vida à sua maneira. São considerados fora da curva, o que só desmerece os demais, que têm vidas mais silenciosas.

Também é do Barão de Itararé, gaúcho da cidade de Rio Grande como minha amiga Marisa, outro aforismo que desmonta a pretensão das “ilusões coletivas”, tão cheias de verdades e certezas. “O que se leva da vida... É a vida que se leva”. Tenho certeza de que ele não se refere só ao que acontece entre os 17 e os 37 anos.

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