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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Imagine a seguinte situação, leitor: você encontra um livro ótimo e tem vontade de presentear algumas pessoas com ele. Mas, levando em conta sua própria experiência, você tem medo de dar bola fora. Quando li Por favor, Cuide da Mamãe tive de interromper a leitura algumas vezes para chorar. Se eu der este livro para amigos e eles tiverem a mesma reação que eu tive, vão ficar loucos comigo?

O livro da coreana Kyung-Sook Shin é bom. Tente esquecer o título meloso. Ele fala de uma família que vive uma situação aterradora. A mãe, de 69 anos, sai do interior para visitar os filhos na capital, Seul, e se perde do marido ao embarcar no metrô. As palavras senilidade e Alzheimer não são ditas, mas o leitor com um pouco de familiaridade com essas doenças vai perceber o que estava acontecendo; a personagem estava doente e o marido e os filhos não notavam.

O livro todo é sobre "não notar". Com o desaparecimento, marido e filhos se dão conta de que não enxergavam a mãe havia muito tempo – ou nunca a enxergaram. Não sabiam o que estava acontecendo com ela. Pior, não sabiam muito sobre a mãe. Não que faltasse contato – afinal, durante boa parte de suas vidas, conviveram com ela diariamente e, quando se tornaram adultos, ela estava sempre lá, esperando seus telefonemas. Mas em suas vidas ocupadas de adultos, eles não tinham tempo para ela. Por isso, as melhores e mais fortes lembranças que guardaram eram da infância e da adolescência, quando a mãe foi uma presença forte e influente.

É uma história banal essa, não é? Em maior ou menor grau, os filhos não enxergam os pais. Pelo menos não como seres humanos, que é o que eles são, afinal de contas. Pais são autoridade e babá (quando somos crianças), chatos e pagadores de nossas contas (quando somos adolescentes), inconvenientes (quando eles envelhecem). Ou super-heróis, gênios, semideuses. Tudo menos humanos com desejos e necessidades.

A familiaridade que temos com eles não ajuda em nada a aproximação. A familiaridade é um líquido que se infiltra nos nossos pensamentos e encharca tudo. De tão encharcados com ela nem notamos sua influência. Ai daqueles com quem temos a tal familiaridade. É com eles que brigamos mais, com que falamos mais rispidamente, sobre quem temos menos curiosidade de saber mais.

É isso que aconteceu com os filhos de Park So-nyo, a senhora desaparecida na estação de Seul. Ela era uma mãe e esposa dedicada e discreta. Como devem ser as esposas e mães, não é? Espe­­cialmente as mulheres orientais daquela geração. Não cobrava do marido e do filho que lhe desse mais atenção. E se cobrasse, resolveria alguma coisa? Adianta cobrar de uma pessoa que amamos – e que provavelmente nos ama também – que seja mais atenciosa conosco?

Ao se dar conta de que conviveram com Mamãe, como eles a chamavam, sem prestar atenção nela, marido e filho sofrem muito. É uma dor dilacerante, dor de perda irrecuperável. Mamãe está perdida. Eles não sabem se irão vê-la de novo e, ao mesmo tempo, se dão conta de que desperdiçaram todos os anos em que ela estava presente.

É de chorar, ou não é? Depois não digam que eu não avisei.

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