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Em 1936, Walter Benjamin publicou um texto notável sobre o impacto da reprodutibilidade técnica no universo das artes visuais. Ao falar em “reprodutibilidade técnica”, ele se referia ao papel que a fotografia e o cinema exerceram, a partir de sua invenção, na apreensão de sentido e no valor das obras de arte. Em termos simples, a hipótese de Benjamin é a seguinte: ao permitir a cópia e a popularização de uma obra de arte, o operador do equipamento de imagem destrói sua “aura”, aquele elemento que, somado ao componente estético, produz o objeto artístico. A aura é o valor nascido da relação do artista com seu trabalho: o impulso que o levou a criar, o momento histórico, a tradição e até a percepção coletiva de que o gênio moldou a obra.

Imagine-se, por exemplo, a Mona Lisa, cujo acesso, por muito tempo, esteve limitado a um pequeno grupo de pessoas. Hoje, além de estar franqueada ao público que inunda os salões do Louvre, ela também aparece em camisetas, muros e telas de computador. Teria perdido, portanto, sua aura, algo detectável na decepção de algumas pessoas em relação às suas dimensões (77 x 53 cm). “Pôxa, pensei que a Mona Lisa era maior!”. Voilà.

Diante do verdadeiro oceano de máquinas fotográficas e filmadoras embutidas nos aparelhos celulares, pode-se imaginar que exista uma quebra da aura dos próprios equipamentos de registro

Hoje, o mundo vive outro momento interessante. Diante do verdadeiro oceano de máquinas fotográficas e filmadoras embutidas nos aparelhos celulares, pode-se imaginar que exista uma quebra da aura dos próprios equipamentos de registro. As máquinas profissionais são cada vez melhores, mas o populacho – eu, você e todos os adeptos do selfie service – já não sofre tanto com seu alto preço. Na falta do dinheiro necessário ao acesso a tais aparelhos, resolvo minha vida com uma câmera de celular de boa resolução e um bom aplicativo de tratamento de imagem.

No caso do cinema, a enormidade de recursos da indústria mantém a uma distância segura os cineastas de smartphone. No da fotografia, resta a pergunta: em um mundo de 7 bilhões de celulares, os trabalhos de real valor artístico não acabarão encobertos pela mediocridade? Não irão assumir um caráter arcano e sagrado, uma nova “aura” que restrinja seu acesso a uma elite de conhecedores?

Talvez a resposta resida em um fotojornalismo capaz de levar apelo estético aos leitores. Talvez o excesso de velocidade e a animação dos portais de notícias acabem matando até mesmo essa possibilidade. Como otimista incorrigível, penso que, dentre os milhões de novos fotógrafos, há talentos capazes de engrossar o universo da fotografia de valor. Figuras que circulem por aí em silêncio, libertas dos “paus de selfie”, recriando o mundo nem que seja para seu próprio deleite. Quem for atento há de encontrá-las. Se elas forem corajosas, hão de se mostrar.

PS: Esta crônica é dedicada ao jornalista Eduardo Aguiar, que a partir desta quinta-feira (5) vai expor suas fotografias na Galeria Teix, em Curitiba. Sempre discreto, o dito cujo retratou o Centro da cidade na melhor tradição de Brassaï e, agora, decidiu abrir o jogo. Um craque!

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