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É impressionante como certos cheiros evocam memórias. Doce de banana, por exemplo, é um clássico – quando minha avó fazia, lá pelos idos de 70 e poucos, um Ahú inteiro de madeira recendia a paraíso. Trinta anos depois, é impossível descrever ou sequer recordar o gosto daquela “chimia” única em meio ao cotidiano sensorial da metrópole. Uma simples fração, um solitário mol de bananada perdido na atmosfera, porém, é suficiente para fazer retornar o rosário de broas vazando de tanto doce. Nariz, máquina do tempo.

Há alguns anos, quando inventei de fazer uma viagem à Índia, minha irmã mais velha, especialista na temática viageira, deu a dica de selecionar um aroma bem bacana – perfume, incenso, pote de bananada – e levá-lo na bagagem. Fui ao mercado e comprei meia dúzia de sabonetes verdes quase estupefacientes de tão olorosos e enfiei na mochila. No mínimo, os indianos teriam uma memória de minha pessoa se, um dia no futuro, um gajo cheiroso do mesmo produto aportasse por lá.

Pois não deu outra: em 2015, é comprar o sabonete, ligar o chuveiro e ser instantaneamente transportado para o Taj Mahal, e cheirar a Índia pelo resto do dia; como efeito secundário, vem também a música do Jorge Ben Jor sobre o amor do príncipe Shah-Jehan pela princesa Mumtaz Mahal. Memória olfativo-auditiva.

Nosso domínio das vontades pode ser muito menor do que suspeitamos

Em tempos mais recentes, como jornalista, fui encarregado de cobrir o lançamento de uma coleção de livros para bebês, daqueles macios e resistentes a baba e a mordidas. Chegando mais cedo ao estande onde a obra seria apresentada, flagrei a assessora de marketing borrifando o cenário com um perfume de talco para bebês com notas de papinha de maçã e banana. Cheiro mais completo de piá de berço, cogitei, só se incluísse fraldas cheias – o que seria contrapropaganda. Entre um borrifo e outro, a assessora olhou para mim e, maquiavélica, observou: “Infalível!” Não deu outra: até o fim da noite, a coleção havia vendido uma barbaridade. Se foi pelo cheiro ou pela qualidade literária, não sei – só sei que testemunhei muita gente com aquele sorriso meio frouxo de quem está pensando nas gerações futuras. Eu mesmo, aliás, saí de lá meio balançado por ideias paternais... deixe quieto.

No fim das contas, resta a percepção empírica da quantidade de estímulos discretos a que somos permanentemente submetidos. Nosso domínio das vontades, enfim, pode ser muito menor do que suspeitamos. Verdadeira conspiração sensória.

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