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Pessoas vestidas de branco, como determina a Igreja Céu de Maria, do Santo Daime, conversas sobre a religião, tristeza, choro, indignação e revolta marcam a espera pelo sepultamento do cartunista Glauco Villas Boas, de 53 anos, e de seu filho, Raoni Vilas Boas, 25 anos. Os corpos serão enterrados na manhã deste sábado (13), no cemitério Gethsêmami Anhaguera, em São Paulo. Glauco e o filho estão sendo velados igreja do qual o cartunista foi um dos fundadores, em Osasco, na Grande São Paulo.

O desenhista e seu filho foram assassinados a tiros na madrugada de sexta-feira (12), na Vila Santa Fé, em Osasco, por uma pessoa que frequentava os cultos. De acordo com testemunhas, Carlos Eduardo Sandfeld Nunes, de 24 anos, chegou armado à casa de Glauco, onde também funciona a Igreja Céu de Maria, e discutiu com o cartunista e o filho dele. Glauco e Raoni levaram quatro tiros cada. O suspeito está foragido. O caso é investigado pela Delegacia Seccional de Osasco.

Em meio o à tristeza de familiares e amigos, a atriz de cinema Márcia Fraga, 50 anos, preferiu se lembrar do amigo, sempre de bom humor. "O Glauco era tão piadista que no velório do irmão Orlando ele não deixou de brincar, dizendo ´Coitadinho do Orlandinho, morreu`", se recorda. Márcia lembra ainda que Glauco foi um dos precursores a trazer o Daime para o Sudeste brasileiro.

O bom humor também foi lembrado pelo cartunista Spacca, que trabalhou com Glauco no jornal Folha de S.Paulo, de 1985 a 1992. "Glauco era um gozador".

Uma das adeptas da seita, Valéria Leal, 64 anos, também preferiu se recordar da alegria do amigo. "Ele trazia muita alegria. Como se vai explicar essas coisas [os assassinatos]? Estamos vendo mortes há muito tempo por aí", disse Valéria, que é conhecida como "tia" pelos membros do Daime.

A previsão é que o corpo deixe a Igreja Céu de Marinha em direção ao cemitério, que fica na Rodovia Anhaguera, por volta das 9h. No local, ainda deverá haver mais duas horas de velório até o sepultamento. Dentro do Cemitério Gethsêmani Anhaguera, à espera da chegada dos corpos de Glauco e Raoni, pessoas gritaram "Assassino! Fascínora!" revoltadas com o crime.

Cinco testemunhas foram ouvidas na sexta-feira (12) no Setor de Investigações Gerais (SIG) da Delegacia Seccional de Osasco sobre o duplo homicídio. Entre elas está uma enteada de Glauco, que presenciou o crime, dois vizinhos, o pai e o avô do suspeito, o estudante Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, de 24 anos. A polícia diz que não há novos depoimentos marcados, mas aguarda a disponibilidade dos familiares para ouvi-los.

O suspeito, o estudante universitário Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, é considerado foragido pela polícia. De acordo com o delegado Archimedes Cassão Veras Junior, os investigadores tentam identificar também uma pessoa que acompanhava o suspeito no local do crime. As testemunhas dizem que era um homem, que chegou a descer do automóvel posteriormente utilizado pelo estudante na fuga. Existe a possibilidade de uma segunda pessoa no carro.

Segundo versão da enteada de Glauco à polícia, ela chegava em casa quando foi abordada pelo estudante, que estava com uma arma e uma faca, essa última escondida sob a roupa. Logo depois, o cartunista veio ao encontro dos dois, ainda no quintal. O delegado afirmou que o suspeito dizia coisas desconexas. Uma delas era a de que pretendia levar Glauco para que ele confirmasse à mãe que o estudante era Jesus.

Houve uma discussão entre o cartunista e o suspeito do crime. Glauco acabou atingido por uma coronhada no rosto. A mulher e a outra enteada foram ao encontro dos demais e presenciaram, segundo a polícia, o momento em que o suspeito disparou quatro tiros contra o cartunista. Raoni Villas Boas entrou no imóvel em seguida, vindo da faculdade, e também foi atingido por quatro tiros. Eles chegaram a ser socorridos, mas morreram no hospital.

O delegado afirmou que a família do estudante ficou sabendo do caso pela imprensa. "Eles estão consternados, também não aceitam", contou. O jovem já teve acompanhamento psicológico e a polícia investiga se ele possuía envolvimento com drogas – há uma passagem por porte de drogas.

Segundo Veras Junior, ele procurava orientação com Glauco e a comunidade da região, por isso, era conhecido por todos. A polícia não descarta que o crime tenha sido premeditado, já que o estudante chegou armado ao local.

Trajetória nos quadrinhos

Glauco Villas Boas nasceu em Jandaia do Sul, no Paraná, em 1957. Ele era da família dos sertanistas Orlando, Claudio e Leonardo Villas Boas.

Como cartunista, publicou seus primeiros trabalhos em 1976, no "Diário da Manhã" de Ribeirão Preto, e, em 1977, ganhou seu primeiro prêmio no Salão do Humor de Piracicaba.

Ainda neste ano, passou a fazer parte do elenco de cartunistas do jornal "Folha de S. Paulo", onde publicava diariamente desde 1984 tiras de personagens como Geraldão, Geraldinho, Dona Marta, Zé do Apocalipse, Casal Neuras e Doy Jorge, além de charges políticas na página 2 do jornal.

Dono de um traço marcante e de um estilo de humor ácido e de piadas visuais rápidas, Glauco criou personagens que de certa forma representavam suas próprias experiências na São Paulo dos anos 1980, com referências a sexo, drogas e violência urbana.

Em 1991, participou ao lado de Angeli e Laerte da criação da tira "Los 3 amigos", uma brincadeira do trio de cartunistas com o universo dos filmes de bang-bang e seu retrato dos personagens mexicanos.

Atualmente, Glauco publicava tiras diárias e charges no jornal "Folha de S. Paulo". Seus quadrinhos antigos vinham sendo republicados por editoras como Opera Graphica e L&PM.

Glauco também fez parte da equipe de redatores dos programas "TV Pirata" e "TV Colosso", da Globo.

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