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O cangaço não foi um fenômeno isolado da história nacional, que teria acontecido exclusivamente no Nordeste brasileiro. Pelo contrário, apesar de ser visto – principalmente pelo lado jurídico – como banditismo, em decorrência da prática do roubo violento, o cangaço tem por base ideológica os mesmos argumentos usados nas revoltas nacionais dos índios, negros e das insurgências sociais (como Canudos e Guerra do Contes­tado). "No mais fundo da carne, o cangaço é uma atitude brasileira contra os valores impostos pelos processos de colonização que se pretendia impor na sociedade rural", defende o historiador Frederico Pernambucano de Mello.

A nova leitura que se faz do cangaceiro começa pelo modo como os europeus viam as terras brasileiras. Ao chegar aqui perceberam o Brasil como uma terra sem lei e sem rei, onde a população, mesmo assim, conseguia ser feliz. Estes mesmos europeus, encantados com a terra sem lei, começam a implantar o processo econômico, primeiro com o ciclo extrativista do Brasil (cana-de-açúcar). Depois virão os ciclos do ouro, dos metais, do café e assim por diante.

Este novo modelo de organização da sociedade não é bem visto por todos os habitantes. "Num primeiro momento a atitude deste povo é de afastamento ou de indiferença. Mas num segundo estágio se transforma em conduta ativa. Ou seja, vão se flagrar os levantes que perpassam por toda a história", afirma Mello. Assim como os índios e negros ficaram revoltados com a imposição de uma nova sociedade [agora com leis], o cangaço passa a ser um movimento de insurgência da mesma natureza do levante indígena. "A característica especial é a de que, enquanto alguns levantes aparecem e desaparecem no tempo, o cangaço no Nordeste apresenta uma linha contínua, com sucessões de dinastias [capitães do cangaço]", diz Mello.

A insatisfação destes homens é conhecida como irredentismo, ou seja, é a atitude de quem não quer ser redimido de uma suposta selvageria mediante a aceitação de outros valores [neste caso, dos europeus que queriam im­­por os próprios valores]. Outro aspecto peculiar ao cangaço é ser um tipo de insurgência brasileira metarracial. Diferente do quilombo negro e das tribos indígenas – onde cada qual aceitava ter um chefe apenas negro ou índio –, no cangaço o administrador do bando poderia ser de qualquer etnia. Lampião era cabloco. Corisco era louro, de cabelo liso e olhos claros. Zé Baiano era negro e Zé Sereno era negroide. Ainda houve o chefe Luiz Pedro considerado sarará (mistura de homem de pele clara, cabelo crespo e às vezes vermelho).

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