• Carregando...
Cantora, atriz, profissional de rádio e tevê | Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo
Cantora, atriz, profissional de rádio e tevê| Foto: Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo

Loira, elegante, desbocada. Atriz, mãe, apresentadora, engraçada. Avó, impaciente, cantora, namorada. Hiperativa. Palavras para definir Laís Mann são limitações que não se enquadram na história da mulher que marcou época na vanguarda da tevê no Paraná. Uma eterna estudante de si mesma, a guria autodidata ultrapassou seis décadas de vida com uma certeza: quer descobrir ainda mais sobre a menina que nasceu na Água Verde.

Assista ao vídeo com Laís Mann

Confira os bastidores da entrevista

Pouco antes dos 20 anos, Laís já era alvo fácil do imaginário masculino – e do ódio feminino – quando seu "boa noite" era entoado na TV Iguaçu, Canal 4. No célebre programa Show de Jornal, ao lado de Jamur Junior, João José de Arruda Neto (JJ) e Haroldo Lopes, a belle de nuit falava so­­bre política. As­­sunto que rendeu status de celebridade pelas ruas e salões de beleza – e que a levou diversas vezes à Polícia Federal, graças à ditadura militar.

Sem se levar a sério, foi catapultada à profissão de cantora, atriz e radialista – e com louvor. Entre uma mentirinha para fugir dos castigos da mãe e as festas na vida noturna curitibana, Laís se casou três vezes, teve quatro filhos e quatro netos. Com uma biografia que não caberia nesta página, uma verdade inconteste: Laís Mann permanece no posto de diva – ele lhe pertence.

Você é loira legítima?

[risos] Sou loira. É uma loucura. E sabe, né, qualquer mancada eu falo que sou loira. Ainda mais depois da música do Gabriel, O Pensador. Acho bárbaro.

Quando descobriu que era bonita?

Ah, desde pequena. Eu não sabia das diferenças sociais e lia as histórias das princesas. E a Cinderela sempre era linda. Sempre a pobre era linda e casava com o príncipe. Achava que eu era pobre porque era bonita e as ricas eram todas feias. Até quando comecei a ter contato com as meninas ricas e vi que elas eram muito bonitas. Aí não entendi mais nada. [risos]

Você tinha noção do que seria estar na televisão?

Não. Era mais um emprego. E eu só comecei lá após um trato com minha mãe. Trabalharia de manhã em uma loja de roupas femininas e à noite na tevê. Mas ninguém me levava a sério. Nem eu mesma. Aquilo era um trabalho qualquer. Não tinha vaidade.

Você estava interessada no dinheiro?

Mas é claro.

O que o dinheiro lhe deu?

Minha vida mudou. Ajudei minha família. Comprei uma casa. Um carro. Vivia bem com a família. Pagava os melhores médicos para meus irmãos. Tinha dinheiro para acudir meu pai com o problema da bebida.

Como era fazer parte do Show de Jornal?

A gente não podia sair na rua. Era um jornal político. Era tempo de ditadura e éramos celebridades. Nós trabalhávamos no canal do Paulo Pimentel, que ao lado do Cecílio Almeida derrubou o Arol­­do Leon Peres, que era o governador do estado. Um inferno. A gente ia todo dia para a Polícia Federal.

E no cotidiano?

Nem no salão conseguia ir. Até porque as mulheres não viam telejornal. Não queriam saber disso, mulher assistia à novela. Até aparecer uma menina de 19 anos que apresentava assuntos que os maridos gostavam.

Todos esperavam pelo seu "boa noite".

Só para descobrir como eu iria falar o "boa noite" demorou uma semana na produção. Eu dava "tchau" e fazia algo com meu nariz e os homens gostaram. Virou até um fetiche.

Como lidava com o assédio num ambiente masculino?

Ah, me defendia legal. Isso sempre me incomodou muito. Eu me sentia diminuída e vulgar com o assédio masculino. Quando um ho­­mem vinha me cantar eu tratava logo de dizer uma grosseria.

Você também fez horóscopo no rádio. Fazia o texto?

Sim, fazia tudo. Ficava até as 3 horas da manhã com minha mãe escrevendo. Minha mãe era meio feiticeira e entendia desse assunto. Ela jogava búzios... E era tudo mentira. Tudo inventado. E o povo ainda falava que a gente tinha acertado as coisas.

Em que momento se descobriu cantora?

Quando estava na tevê, o Paulo Ví­­tola e o Adherbal Fortes escreveram uma peça de teatro chamada Ci­­dade sem Portas, em 1972, acho. E eles me convidaram para fazer. Cla­­ro, eu estava na moda e ia ga­­rantir bilheteria. Foi nela que co­­me­­cei a cantar. E eu adoro, mas é uma das coisas que mais me atemoriza. Morro de dor de barriga. Gente, é um inferno quando vou cantar. Porque não fiz escola. Te­­nho complexo. Estou contando is­­so pela primeira vez na minha vida.

Complexo do quê?

Quando vou cantar, qualquer insegurança em relação à música já me dá um complexo. Eu digo "tá vendo, imbecil, se fosse lá aprender a cantar ia saber o que é uma oitava, meia oitava, dois terços, não sei o que lá". E penso nisso, que na verdade é uma bobagem. Porque se a gente vir as cantoras Angela Maria, Elis Regina e Elizete Cardoso, elas nunca fizeram escola. Elas foram a escola.

Você acompanha as novas cantoras que surgem na cena local?

Ah, sim. Adoro a Ana Cascardo, a Ro­­géria Holtz, a Gisele Oliveira. Es­­sa nova geração é um espetáculo.

O que diria para elas?

Cantem. Cantem muito na vida, se divirtam. Sem complexos. Acho que nesse ponto essa geração é muito bacana. Fazem legal. Nem vou falar da Thaís [Gulin], aquela desgraçada... [risos].

A Thaís Gulin...

Tá com o Chico [Buarque]. Será que tá mesmo? Que preguiça dessas meninas... O Chico é uma en­­ti­­dade. Sinceramente: se eu fos­­se uma cantora talentosa, bo­­nita... você acha que eu ia *** pro Chico? Ah, por favor, ela nem precisa disso. É rica e faz o que quer. Deve ser um horror, gente. Eu seria a última a ter preconceito de velho, mas não quero namorar velho [ri­­sos]. Porque eles tomam aqueles "viagras" e fica uma coisa tão es­­quisita [risos]. Tem gente que acha que ela está com o Chico por in­­teresse. Eu não acredito. Ele faz tudo porque está absolutamente apaixonado. A prova está aí, esse CD que fez agora. Está babando de amor. Nós temos que endeusar a Taís. A santa Taís, que contribuiu pro Chico fazer esse trabalho lindo.

Como foi sua infância?

Nasci em uma família muito pobre no bairro Água Verde. Meu pai era funcionário público e minha mãe dona de casa. Nossa vida era um horror, porque meu pai era alcoólatra. Mas a gente era feliz. E desde cedo minha mãe me fez estudar e trabalhar.

Gostava da escola?

Detestava. Reprovei 10 anos no ginásio. Tinha pavor daquilo. Era hiperativa e não conseguia ficar na sala de aula sem conversar. Achava tudo desinteressante. Que horror.

Como era a sua mãe?

Com ela era? "Escreveu, não leu, o pau comeu." Uma sargentona. E eu mentia muito. Aprontava mesmo. O nome dela era Altina. Ela me chamava de "barata descascada". [risos]

Essa é a mesma relação com sua filha?

Com minha filha há um diálogo absolutamente aberto. Ela sempre soube que o nome daquilo é vagina, não perereca. Minha mãe chamava de miçanga. E eu fui saber que miçanga não era vagina quando eu já era grande. Estava assistindo à televisão, um programa da Linda Saparoli, e ela falou que o vestido era todo bordado de miçangas e eu gritei "mãããee". [risos]

E os seus netos...

É bárbaro. Eu tenho quatro netos. A minha neta com quem convivi mais foi um espetáculo na minha vida. Eu digo "foi" porque hoje ela é pré-adolescente e não quer saber de mim. A não ser pra levá-la à gi­­nástica. E eu aproveito para fazer uma chantagem danada. Digo "va­­mos jantar?". "Não vovó, eu tenho que estudar". "Gabriela, quer sa­­ber de uma coisa, vai ...." É uma de­­lícia essa relação.

E na sua juventude, Curitiba ti­­nha coisas melhores para se fazer?

Era uma maravilha. Tinha a Zim­­ba­­loo, a Gogó da Ema, a Jackie O. Eram boates bacanas. Hoje, frequento muito pouco a noite. Even­­tualmente, vou ao Kapelle, um bar que tem uns 200 anos – a minha idade [risos]. É mais um bar cabeça. Às segundas-feiras, vou ao Tatára, que é um hippie remanescente dos anos 70, compositor, cantor, um ma­­luco, um agitador cultural.

O que tem lá?

Às segundas tem a chamada "Se­­gunda Autoral", quando os jo­­vens artistas, e velhos também, se reúnem para apresentar música. As pessoas estão aprendendo a cultuar os nossos artistas, o que não acontecia antes. Ninguém queria dizer que era fã do cara que morava em cima do seu apartamento. Curitibano é uma coisa absurda. Não adianta.

Mas você é curitibana...

Sou... Mas é por isso que eu falo. As pessoas dizem pra mim: "Mas você não é de Curitiba, né?". Digo "ai, eu sou". Porque tem autofagia mesmo. Curitiba tinha uma coisa muito cafona: só era bacana o que vi­­nha de fora. Mas está mudando. Es­­tou percebendo na música, por exemplo, essa coisa de ser bacana o que é daqui. "Você vai gravar um CD? Legal, o que você vai gravar?" "Vou gravar compositores curitibanos." "Pô, que tesão." É um as­­pecto bem positivo. A coisa está mudando porque hoje você nem acha mais curitibano. Não sei pra onde foram. Devem ter se desintegrado [risos]. Porque curitibano não sai daqui, né.

Como é envelhecer?

É difícil. Nosso país não está preparado para isso. Há muito preconceito. A vantagem está em ter mais conhecimento. A parte boa é a falta total de pudores e limites. "Não vou dizer isso porque vou ofender a pessoa". Paciência... Pelos menos disse o que eu queria dizer. Não é uma coisa de querer agredir... O velho é cruel, gente. É como uma criança.

E a solidão...

Tem uma solidão vo­­luntária, porque apren­di a me gostar. Adoro a minha solidão, pois posso ficar mal-humorada quando quiser, dou risada de mim mesma... Já tive vários casamentos [três] e acho que não vim dotada deste talento de manter relacionamentos. Minha vida sentimental está uma porcaria. [risos]

E como é conviver contigo?

Sem bom humor não tem salvação. Adoro essa coisa de dar risada. Senão fica muito sem graça. E detesto pessoas mal-humoradas e pessoas mais ou menos. Tem de ser uma coisa ou outra. A base de todas as relações, profissionais, afetivas, conjugais é o bom humor.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]