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Apreensões da Receita Federal revelam que Cartes é quem mais ganha com o contrabando | Arquivo Gazeta do Povo
Apreensões da Receita Federal revelam que Cartes é quem mais ganha com o contrabando| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Colômbia

Cigarro de Cartes financia organizações como as Farc

O cigarro fabricado pelo presidente do Paraguai, Horacio Cartes, financia duas das organizações criminosas mais violentas das Américas. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o grupo paramilitar Los Urabeños controlam as rotas de contrabando e cobram "impostos" no estado de La Guajira, no mar do Caribe. Os "impostos" do cigarro pirata são usados para lavar o dinheiro de extorsões, sequestros e tráfico de drogas. Essas operações estão sendo monitoradas pelo governo colombiano e por agentes holandeses da Special Policial Taskforce (RST).

Em fevereiro, a RST se reuniu com autoridades colombianas para tratar do multimilionário contrabando de cigarros paraguaios que entra ilegalmente por Aruba e Curaçao, mas que terminam nas mãos das organizações criminosas e já se apoderaram de 20% do mercado no país. A RST recolheu dezenas de faturas de exportações falsas ou alteradas de cigarros das marcas Ibiza e Mariner, que saem da zona especial aduaneira de Maicao, em La Guarija. Essas marcas são fabricadas pela Tabacalera del Este SA (Tabesa), cujo sócio majoritário é o presidente Horácio Cartes.

A RST tem documentada uma reunião, em fins de 2012, entre representantes das empresas investigadas e um membro da campanha presidencial de Cartes que hoje ocupa um cargo ministerial. Essas três empresas estão ligadas à família Manzur, um velho clã já processado nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro. Em julho de 2013, o governo colombiano enviou a Cartes um comunicado expondo as dimensões a que chegou o contrabando de cigarros da tabacalera da família do presidente. Cartes ainda não respondeu.

O cigarro de Cartes é usado para lavar as fortunas de narcotraficantes, da guerrilha das Farc e do grupo Los Urabeños. Interceptações telefônicas revelam a ligação entre as Farc e a máfia do cigarro pirata. Em apenas seis meses, três empresas investigadas pela RST movimentaram US$ 6 milhões em importações de Curaçao e Aruba. Os nomes não foram revelados pela Polícia Fiscal Aduaneira.

Contudo, já está claro que essas empresas são usadas para lavar dinheiro pelo chefe das frentes 59 e 19 das Farc, Luis Alejandro Cuadras Solórzano, o "León Guerra", por Oscar Alberto Guerrero Celedón, assim como o capo Marcos Figueroa, o "Marquitos", e o grupo Los Urabeños. As Farc começaram a cobrar "imposto" dos caminhões que passam com mercadorias ilegais pelas três grandes rotas de contrabando (Uribia, Majayura e a Ponte de Paraguachón). Usa o negócio para lavar o dinheiro de extorsões e de tráfico de cocaína e do contrabando de gasolina venezuelana.

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Assista documentário sobre o contrabando de cigarro na América Latina

O tabaco se tornou um negócio de Estado no Paraguai muito antes de Horacio Cartes chegar ao poder. O governo é o maior incentivador. A fiscalização é precária e a carga tributária sobre o cigarro é de 10%, contra 70% no Brasil. O Paraguai concede ainda cinco anos de isenção do imposto de importação sobre as máquinas. Daí surge o paradoxo: o Brasil tem 200 milhões de habitantes e 11 indústrias de cigarro; o Paraguai tem 6,5 milhões de habitantes e três vezes mais fábricas. Isso explica porque o Paraguai tem 2,6 mil marcas registradas e 70 delas entram no Brasil pela porta dos fundos.

SLIDESHOW: Veja fotos do contrabando de tabaco

INFOGRÁFICO: Veja quais são as marcas contrabandeadas

A versão da indústria é tão suspeita quanto os desvios do cigarro para cruzar a fronteira. A Unión de Tabacaleras del Paraguay diz que o setor fatura US$ 350 milhões por ano e gera 4,5 mil empregos. São dados subestimados. A entidade reúne só oito das 32 fábricas paraguaias. Muitas ocupam quarteirões inteiros em cidades como Salto del Guairá, Ciudad del Este, Minga Guazú e Hernandárias, estrategicamente posicionadas nos costados da fronteira para facilitar o escoamento ilegal. E os números do lado de cá ajudam a desmentir os números do lado de lá.

O volume apreendido representa uma décima parte do que entra no Brasil. Cientes das limitações no controle da fronteira, as autoridades admitem que nove entre dez maços vencem as barreiras fiscais. Assim, a média anual apreendida no último quatriênio mostra que o que entra chega fácil a US$ 2,2 bilhões por ano. Há uma lógica capitalista por trás disso: se o lucro com o que consegue cruzar a fronteira não fosse suficiente para cobrir as perdas em apreensões, o contrabando não persistiria. Mas ele persiste. Persiste porque dá lucro.

A dimensão do contrabando pode ser medida ainda pelo quanto se perde do outro lado da fronteira. Um entre quatro cigarros consumidos no Brasil é contrabandeado. Os US$ 2,2 bilhões movimentados por ano pelo mercado ilegal gera perda de US$ 1,5 bilhão em arrecadação de impostos e rouba 30 mil postos formais de trabalho no país. Outra vantagem do cigarro sobre a maconha e a cocaína é que seu comércio clandestino não é visto por grande parte dos brasileiros como um crime. Essa relativização sobre o que é crime e o que é atividade de subsistência ajuda a incrementar os negócios.

As fraudes começam na origem. A indústria declara ao Ministério da Fazenda paraguaio uma produção estimada de 45 bilhões de unidades por ano. Mas o Estudo Econômico Saguier do Paraguai aponta que o país produziu 67 bilhões de cigarros em 2012, ou 3,3 bilhões de maços. Desse total, 39% foram contrabandeados para o Brasil e 51% para outros países. As exportações legais somaram 8,2% e o consumo interno alcançou apenas 1,8% do total produzido.

Concorrência chinesa

O cigarro paraguaio enfrenta a concorrência chinesa no mercado clandestino latino-americano. Uma fábrica chamada Overseas United começou a produzir no Panamá em 2011, operando com a licença da empresa China Hunan Tobacco. Essa empresa trabalha em um regime especial no Panamá e produz três marcas: Silver Elephant, Modern e Marshall.

Praticamente todo o produto dessa empresa é vendido de forma ilegal a outros países: Marshall na Colômbia e México, Silver na Costa Rica e Modern na Guatemala. A autorização à empresa foi dada pelo atual vice-presidente do Panamá, Juan Carlos Varela.

Força-tarefa dos EUA investiga presidente

A projeção mundial de Horacio Cartes no mercado de tabaco desencadeou um controverso caso de espionagem do governo norte-americano. Os Estados Unidos montaram em 2009 uma força-tarefa com sete de suas agências para investigá-lo como traficante de narcóticos e líder de um esquema de lavagem de dinheiro na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Os detalhes da operação Coração de Pedra foram vazados pelo WikiLeaks.

Para coordenar um plano de ataque a Cartes, as sete agências se reuniram de 6 a 9 de dezembro de 2009 na Cidade do Panamá com as empresas líderes do mercado americano de tabaco, além de membros da agência antidrogas americana (DEA) em Assunção, Lima e Buenos Aires. Pela British American Tobacco participaram Ewan Duncan, Terry Hobbs e Richard Pandohie, pela Reynolds American compareceu Russell; a Imperial Tobacco foi representada por Derek Ogden, e a Phillips Morris USA enviou Dave Zimmerman e Mike Grogan para o encontro.

O WikiLeaks vazou os detalhes da operação num documento diplomático da embaixada americana em Buenos Aires, de 2010. O documento chama Cartes de "chefe da organização de lavagem de dinheiro" e cita pessoas a serem investigadas, como a Tabacos USA, INC, cujos sócios de Cartes são sua irmã Sarah Cartes e William Cloherty. São listados ainda os sócios Osvaldo Gane Salum e Juan Carlos Lopez Moreira.

A DEA infiltrou agentes nos negócios de Cartes. A operação pretendia "interromper e desmantelar a organização de tráfico de drogas de Cartes". O vértice da lavagem de dinheiro seria o banco Amambay, do presidente.

O governo americano não revelou o desfecho da operação Coração de Pedra. Cartes sempre negou envolvimento com narcotráfico e lavagem de dinheiro.

Império das cinzas

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