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Juliana e o filho Jonival: cesárea aos 14 anos, por causa do tamanho do bebê | Fotos: Henry  Milléo/Gazeta do Povo
Juliana e o filho Jonival: cesárea aos 14 anos, por causa do tamanho do bebê| Foto: Fotos: Henry Milléo/Gazeta do Povo
  • Parto normal foi a opção de Valéria Lucas para dar à luz Ruan Diego, como ocorreu no nascimento da mais velha, de 5 anos

Enquanto surge no país um movimento de mulheres que buscam o parto natural – seja ele normal, na água ou de cócoras –, nas aldeias do Paraná percebe-se um movimento contrário. Dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) mostram que uma em cada cinco mulheres indígenas que deram à luz no Paraná, no ano passado, optou pela cesariana. A média (20%) está abaixo do índice de cesáreas no país, que é de 43%, mas já está acima do que é indicado pela Organização Mundial de Saúde, que recomenda que a proporção não ultrapasse 15%.O chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena da Funasa no Paraná, Paulo Camargo, conta que hoje o desejo de ter filhos dentro do hospital, com direito a anestesista, é unânime entre as mulheres da aldeia. Segundo ele, a figura das parteiras nas tribos é mantida apenas por índios guarani. O parto de cócoras, tradicional da cultura indígena e trazido para Curitiba pelo médico Moysés Paciornik, já foi extinto. Ter o filho na água, como fez Gisele Bündchen, virou raridade.

A Funasa não faz um monitoramento sistemático dos partos nas aldeias do país, muito menos dos procedimentos adotados. Mas sabe-se que o número é cada vez maior. No ano passado, dos 317 bebês indígenas nascidos no Paraná, 61 vieram por cesariana.

Necessidade

Na aldeia de Queimadas, em Orti­­gueira, nos Campos Gerais, formada por 485 caingangues, o tipo de parto não é registrado. Sabe-se apenas que no ano passado nasceram 22 crianças. No entanto, o número de cesarianas ainda é pequeno, conta o enfermeiro do posto de saúde Paulo Rogério Ferreira. "Desde junho de 2007, quando eu comecei a trabalhar aqui, acho que houve umas cinco cesáreas", informa. Segundo ele, a cirurgia só é realizada em casos de necessidade.

Foi o que ocorreu com a caingangue Juliana Matias, de 14 anos. Há 20 dias nasceu o seu primeiro filho, Jonival, fruto de um casamento com um homem 15 anos mais velho. Como o bebê era grande – nasceu com 3,7 quilos –, a equipe médica da maternidade optou pela cesariana. Juliana fez o pré-natal e teve uma gravidez tranquila. "Quando ela chegou ao hospital, a mesa da cesárea já estava pronta", disse a mãe da jovem, Dulcia Matias. "Eu tive seis filhos, todos eles nasceram em casa", acrescentou.

Valéria Lucas, 25 anos, que também mora na aldeia, deu à luz há três meses Ruan Diego, que nasceu com 3,750 quilos. O parto foi natural, assim como o da filha mais velha, Marcimele, de 5 anos. Valéria disse que não teve complicações na gestação e que logo depois do nascimento do caçula já estava trabalhando na confecção de cestos e balaios. Pedra Oliveira, 25 anos, leva na barriga uma menina, que nascerá no mês que vem. Ela já tem dois meninos, de 8 e de 5 anos, nascidos de parto natural. "Ainda não sei como será o parto", diz, lembrando que até agora a gravidez não apresentou problemas.Políticas de saúde devem ser dirigidas

A Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo) realiza ações junto com o Ministério da Saúde para incentivar o parto natural entre as mulheres brasileiras. O presidente nacional da entidade, Valdecyr Herdy Alves, analisa que é preciso retomar a cultura indígena de valorização do parto normal, inclusive com parteiras nas aldeias. Ele acrescenta que as cesarianas vêm sendo realizadas sem necessidade e que as equipes médicas devem ter claro o protocolo de risco das gestações para optar pela cirurgia em vez do parto natural.

Outro aspecto, lembra Alves, é incentivar políticas de planejamento familiar nas aldeias indígenas para que as mulheres possam decidir sobre sua vida sexual e reprodutiva.

Para o indigenista e coordenador local da Fundação Na­­­cio­­­nal do Índio (Funai) de Curi­­tiba, Edivio Battistelli, os nú­­­meros mostram que o índice de cesarianas é alto nas aldeias do Paraná. Para ele, a opção pela ci­­­rurgia demonstra a apro­­ximação do índio com a cul­­tura não índia. "Isso ocorre também na agricultura, na edu­­­cação, em todas as atividades que cercam os indígenas. Não sei se a escolha pela cesariana é movida pela comodidade, pelo fato de não sentir dor ou é impulsionada pela cultura não índia", retrata.

Hoje a saúde indígena segue os mesmos parâmetros das políticas públicas adotadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para Battistelli, esse é um erro que chega a ser inconstitucional, já que a Constituição Federal não tolera a massificação das ações indígenas. "Isso não é bom para a cultura indígena. Não há respeito às tradições. É importante sim criar programas nacionais específicos", informa.

O parto normal, segundo Alves, traz benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê. Os hormônios liberados no parto favorecem o retorno da forma física da mulher, a respiração do bebê e o contato entre mãe e filho após o nascimento, com a amamentação nos primeiros minutos após o parto.

Conforme a Funasa nacional, a cesariana é indicada em casos de real necessidade. O órgão elaborou um documento que focaliza a saúde da mulher indígena. Entre as diretrizes do programa estão a manutenção de hábitos culturais indígenas associados ao parto comum, o incentivo ao parto normal, a manutenção da cultura indígena, com o uso de plantas e ervas curativas, e a organização das redes de referência para atendimento à mulher e à criança.

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