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Chico Whitaker: ativista diz que modelo de Angra 3 é ultrapassado. | Evelson de Freitas/Folhapress
Chico Whitaker: ativista diz que modelo de Angra 3 é ultrapassado.| Foto: Evelson de Freitas/Folhapress

A prisão e o indiciamento por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa do ex-presidente da Eletronuclear, almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, trouxe à luz – da pior maneira possível – um projeto invisível do governo brasileiro. Silva era o pai do programa nuclear nacional, reativado no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. A estrela do programa era a construção da usina de Angra 3. E teria partido do consórcio Angramon, responsável pela a construção da unidade, o pagamento de R$ 4,5 milhões em propina ao presidente da agência estatal, segundo apontou a Operação Radioatividade, desdobramento da Lava Jato.

“O indiciamento do Othon está situado em um novo quadro de corrupção. O desvio ocorreu para que Angra 3 fosse construída sem os requisitos de segurança exigidos atualmente. Abre a possibilidade de um acidente enorme, isso é o mais trágico”, protestou o ativista Chico Whitaker, em entrevista à Gazeta do Povo, na sexta-feira (28) pela manhã, menos de 24 horas depois de a Polícia Federal indiciar o almirante por favorecimento à Camargo Corrêa e à UTC no processo.

Arquiteto por formação, hoje com 84 anos, Whitaker tem um longo histórico de atividade política e ativismo social. É organizador do Fórum Social Mundial e um dos mentores da Lei da Ficha Limpa, fundou a organização não-governamental Transparência Brasil e foi conselheiro informal do Wikileaks. Desde o desastre nuclear na usina de Fukushima, em 2011, concentra sua atenção no combate ao uso da energia nuclear – em especial ao programa nuclear brasileiro. Foi este o tema central da entrevista concedida à Gazeta do Povo, por telefone.

Qual o impacto da prisão e indiciamento do almirante Othon no plano nuclear brasileiro?

O indiciamento está situado em um novo quadro de corrupção. Geralmente são recursos públicos para fins sociais que se perdem. No caso de uma usina nuclear, tem uma implicação muito mais grave. O desvio ocorreu para que Angra 3 fosse construída sem os requisitos de segurança exigidos atualmente. Abre a possibilidade de um acidente enorme, isso é o mais trágico. Angra 3 é um projeto obsoleto, anterior ao acidente de Three Miles Island (nos Estados Unidos, em 1979), que mudou os parâmetros de segurança das usinas. Depois ainda teve Chernobyl (União Soviética, em 1986) e Fukushima (Japão, em 2011). O modelo alemão, que é o de Angra 3, nunca mais foi usado nem na Alemanha.

É possível que o efeito prático seja abortar o projeto de Angra 3?

O efeito prático depende de o Ministério Público Federal retomar a investigação que fez em 2008, em que exigia a revisão do projeto. À época, a Eletronuclear respondeu que reveria no relatório final, com a obra pronta. Não dá para passar de 60 centímetros para um metro e vinte a espessura do muro que isola o edifício do reator depois de pronto. Precisa reconstruir. O indiciamento foi um desastre para o Othon e a indústria nuclear. Angra 1 e Angra 2 já funcionam sob esse modelo obsoleto e oferecem um risco real. É preciso parar Angra 3 imediatamente e desmontar Angra 1 e 2.

Há uma pressão para que se acelere o projeto nuclear por causa do aumento sistemático do preço da energia elétrica para a população e pela crise hídrica?

O plano do governo brasileiro de construir mais 12 energias é completamente ilusório. São obras caras demais, tanto que o governo está pensando em passar para o setor privado. Leva 6, 7 anos para construir uma usina. A saída para nós é energia solar e eólica. A Alemanha está comprovando a potencialidade, ao substituir gradativamente a energia nuclear pela solar.

Mas o custo não é elevado?

Há três mitos em torno da energia nuclear: que é mais barata, mais segura e mais limpa. A energia nuclear deixa um lixo que fica guardado por anos. Metade da massa do plutônio leva 24,1 mil anos para se perder. Isso compromete o mito da segurança. É preciso aumentar cada vez mais o nível de segurança para não permitir contaminação por um acidente natural, como Fukushima, ou erro humano. Isso encarece a construção das usinas e derruba o mito de ser mais barata. A tecnologia para energia solar ainda não chegou a baratear, as placas usadas no Brasil são importadas da China. Estão sendo desenvolvidos dois centros (Campinas e Rio Grande do Sul) para buscar uma saída nossa para tecnologia. Outro exemplo vai ser dado agora no Distrito Federal, com o lançamento do projeto Brasília Solar. Todos os edifícios públicos terão captação de energia solar. É uma tendência nova. A energia eólica ainda sofre com problemas de planejamento para armazenamento, a energia se perde.

O sr. esteve em Fukushima, estudou o acidente nuclear a fundo. Como o Japão lida hoje com suas usinas?

O primeiro-ministro do Japão durante o desastre (Naoto Kan) mudou de lado. Ele disse que estava desinformado na época, por isso ajudava a indústria japonesa a exportar essa tecnologia para o mundo. Hoje ele tem participado de manifestações para que o país não reabra suas usinas. Agora (11 de agosto) o Japão conseguiu reabrir a primeira, em Sendai. O primeiro-ministro atual (Shinzo Abe) é favorável a abrir mais usinas, mas a Justiça tem sido rigorosa na reavaliação das condições de operação e a maioria da população é contra. Eles estão adotando um projeto iniciado nas regiões afetadas por Chernobyl. O programa insiste em ensinar a população a conviver com a radioatividade. Voltar aos lugares contaminados mesmo sabendo que vão viver menos, mas ajudá-las a viver bem, sorrindo, o mais longamente possível.

Como tem sido o movimento para reduzir a energia nuclear na Europa?

A França é o país mais nuclearizado do mundo, 75% da energia vem de usinas nucleares. Há um plano de redução gradual. Na Alemanha é 40%. Os movimentos sociais pressionaram e o governo teve de parar na base da segurança, risco. Está fechando uma atrás da outra até 2022. Mesmo processo na Bélgica e na Suíça até 2025. Fechar não é fácil. Leva tanto tempo para construir porque exige decidir como guardar material radioativo com segurança.

Com a retração no Japão e na Europa, para quem as empresas que constroem usinas estão vendendo agora?

Estão vendendo para países como Brasil, Egito, Turquia, Vietnã porque no país delas não para construir usina nova. No máximo, reabrir. Isso é reflexo de uma visão geopolítica ultrapassada e perigosa de que um país só é forte se for capaz de produzir bombas atômicas. O Japão abriu o caminho de uso pacífico, com fins de produção de eletricidade, para dominar a tecnologia de produção de plutônio. Isso permite chegar um dia à bomba.

O sr. enviou uma carta ao ministro Joaquim Levy sugerindo que, dentro do ajuste fiscal, se cortassem os investimentos em energia nuclear. Houve resposta?

Não teve e nem vai ter. É uma política de governo. A Dilma precisa estar convencida de abandonar um projeto que ela reabriu como ministra de Minas e Energia. É preciso jogar essa responsabilidade nas costas dela e do Lula, que se deixaram convencer pelo Othon.

Tem se discutido muito revisão do financiamento empresarial de campanha por causa dos desvios investigados hoje no país. O projeto em andamento no Congresso ajuda a mudar esse cenário?

Pelas mãos do inefável Eduardo Cunha e do Gilmar Mendes, está ganhando a tese de que é preciso manter o financiamento empresarial. Na Câmara há o joguinho de permitir financiar só partidos, não candidatos. O Senado fala em estabelecer um limite. É preciso ser radical, mudar o modelo. É a partir dele que a corrupção se instala e a representatividade dos parlamentos é deslegitimada. Vai para lá quem tem dinheiro e se propõe a aceitar o modelo atual.

Há uma resistência grande da população ao caminho oposto, que seria o financiamento público.

O raciocínio geral é: “Esses caras nos roubam dia e noite e ainda vamos pagar para fazer campanha?”. Já há um financiamento público, como do horário eleitoral ocupado na televisão. O que precisa é regulamentar o que está aí e parar com o financiamento empresarial. É preciso procurar outros meios de financiar a campanha.

Quais meios?

Em tempos idos eram os militantes que pagavam pela campanha. Tem candidatos muito bons eleitos com pouco dinheiro pois fazem outro tipo de campanha. Da reunião, da discussão, de ir até o eleitor, mostrar a cara. O voto distrital possibilitaria esse tipo de campanha, mas tem outros problemas muito mais sérios. Fecha a democracia e torna cada distrito território de dois partidos e elimina possibilidade das minorias se expressarem e de haver uma distribuição geral no parlamento.

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