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Depoimento

Abuso e intolerância

Cristiano Castilho, jornalista da Gazeta do Povo

"Para, para, não atira". Os gritos eram de uma mulher de cerca de 30 anos, fantasiada de bailarina. Às 21 horas da noite de ontem, no começo da Rua Mateus Leme, viaturas da Rotam, escoltadas por policias com escopetas em punho, dispersaram quem estava na rua brincando o pré-carnaval de Curitiba. O evento, ironicamente ameaçado de não acontecer pela falta de segurança, brilhava, ao menos por ali, na maior tranquilidade. Eis que balas de borracha, gás lacrimogênio e uma austeridade que nada tinha a ver com aqueles bonecos gigantes, com aquelas pessoas fantasiadas, com aquelas rodinhas de curitibanos curtindo sua cidade, detonaram, literalmente, um momento de horror e de vergonha.

Tentei perguntar a um policial militar, que seria o comandante da ação, qual era o motivo daquilo e ele disse: "Depois a gente conversa". O policial não quis se identificar e subiu a Rua Treze de Maio, na contramão. Isso foi antes de eu levar uma cassetada no braço, desferida por um policial ágil e preparado, enquanto eu registrava o ocorrido. Pera lá. Preparado?

Há algum tempo tenho a noção de que Curitiba está à frente de seus governantes. Há exemplos claros. Para ficar no nível demanda x oferecimento: a ciclofaixa, tão pedida pelos ciclistas da cidade, foi criada no lugar errado. Era como se dissessem "tá, agora eles param de reclamar." O último exemplo, e mais cruel, foi o episódio de ontem. O pré-carnaval adquiriu proporções maiores do que a cidade suporta. Os curitibanos andam. Mas Curitiba, não.

Membros do bloco Garibaldis e Sacis disseram que o pré-carnaval está confirmado para a semana que vem. Sem intervenções desnecessárias e abusivas, esperamos.

Uma confusão no Largo da Ordem originada por uma suposta reclamação de som alto terminou em pancadaria e corre-corre ontem à noite, em Curitiba, logo após a apresentação do bloco pré-carnavalesco Garibaldis e Sacis. Milhares de foliões que brincaram o carnaval durante a tarde e início da noite já começavam a ir embora quando as Polícias Militar e Civil surgiu dispersando a multidão com bombas de efeito moral e tiros de bala de borracha. Pelo menos quatro pessoas ficaram feridas e precisaram ser hospitalizadas (entre elas, um policial). Há registros de outros feridos, que não foram levados a hospitais.

O tumulto começou por volta das 21h, quando o bloco já havia encerrado a apresentação. "Havia um pessoal dançando com som alto no carro. Uma moradora ligou para PM pedindo para baixar o som e a polícia chegou daquela forma que todo mundo sabe que chega. O cara então jogou a garrafa e tudo começou", disse uma testemunha.

Policiais da Rondas Ostensivas de Naturezas Especiais (Rone) desceram pelo calçadão do Largo da Ordem atacando a multidão. O maior número de pessoas se concentrava na Rua Mateus Leme, próximo ao cruzamento com a Rua Treze de Maio, em frente ao Bar Brasileirinho. Dezenas de pessoas entraram no estabelecimento para fugir de tiros e bombas. Algumas foram pisoteadas.

O Siate levou pelo menos três pessoas ao Hospital Evangélico: um rapaz de 18 anos (atingido por um tiro de bala de borracha), um homem de 21 anos e uma garota de 18 anos (ambos atingidos por garrafadas). Um policial militar também foi ferido por uma pedrada e levado ao Hospital do Trabalhador.

Indignados, foliões questionavam os policiais pela truculência. Um deles era um integrante do bloco, identificado por Luiz. Ele foi atingido por um tiro de bala de borracha na perna. "Minha filha também foi ferida. Eu vi mulher grávida sendo prensada na parede. Tinha cadeirante desesperado querendo sair do tumulto. Para que tudo isso?", questionou.

Integrante do bloco, o vocalista Marcel Cruz também ficou chocado com a ação da polícia. Ele disse que começou a ouvir as explosões e pensou que eram rojões, mas quando os estampidos começaram a se repetir, desconfiou que algo estava errado. "Eles simplesmente evacuaram o Largo na maior agressividade. O bloco já tinha acabado e foi a apresentação mais linda que a gente fez", disse.

Reação desproporcional

O tenente da PM, Marco An­­tônio dos Santos, confirmou que a confusão começou depois que uma viatura foi alvo de vandalismo. "Desde as 16 horas estávamos recebendo reclamações sobre algazarra e brigas na região. Um carro da Rotam foi enviado, mas foi recebida com pedradas e garrafadas", disse.

O policial aponta que houve registro, via rádio da polícia, de um veículo sem placa que atirava contra os policiais e a multidão. Ainda segundo o tenente, barracas desmontadas da Feirinha do Largo, que havia sido realizada pela manhã, foram usadas como arma.

Veja as fotos de antes da confusão:

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