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O imigrante alemão José Hauer Senior – pelo que tudo indica – nutria um misto de fascínio e gratidão por Curitiba. Chegou à cidade em outubro de 1863, quando viviam aqui não mais do que 12 mil almas. Tinha 20 e poucos anos e era seleiro aprendiz. Uma vez estabelecido, construiu para si um castelo. Fica na Rua do Rosário esquina com a Augusto Stellfeld, onde por décadas funcionou uma das grandes escolas católicas da capital, o Divina Providência. Dizem que foi uma doação do empresário ou dos seus filhos às freiras, mas pode não ser verdade. Hoje, ali funciona um dos câmpus das faculdades Uninter. Ao contrário do que ocorreu com a Ferragens Hauer, a conservação do prédio é exemplar.

Ferragens Hauer renasce no Centro

Prédio erguido há 117 anos dá novo fôlego à paisagem da região e chama a atenção para o legado da família que impulsionou a economia da cidade

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Um dos destaques da mansão é uma torre, de por volta de 15 metros, hoje pouco visível por causa da verticalização do Centro. José a teria erguido, segundo relatos familiares, para observar a Serra do Mar, em especial na direção de Antonina, cidade pela qual nutria afeto. Hoje, o prédio da frente não permite mais a vista, mas deixa perceber que o Hauer pioneiro podia enxergar dali a casa dos seus irmãos e as demais propriedades.

O local lembra uma muralha medieval – referência, aliás, explícita das muretas do casarão. Outro destaque da arquitetura é a sala de música, espécie de estufa à francesa, num ponto alto da propriedade. As altas cortinas de vidro, assim como a torre, fazem da peça um observatório da cidade. Os jardins, a lareira e as pinturas da casa também impressionam – e eram conhecidas apenas parcialmente pelos pesquisadores Carlos Hauer e Zeca Hauer.

Não há como desviar da aura de visionário e idealista que ronda a figura de José Hauer Senior. Sua biografia se assemelha à de um herói de cavalaria. Em 1863, o alemão chegou como náufrago à Colônia Dona Francisca, hoje Joinville (SC). O navio que o trouxe da Europa encalhou em São Francisco, obrigando-o a se atirar num barquinho salva-vidas chinfrim. Foi seu batismo no Brasil. Dois meses depois partiu para Antonina. De lá chegou a pé até Curitiba, cruzando a Serra do Mar, o que seria o motivo de seu fascínio por essa paisagem. Aqui o homem que teve de enfrentar o mar para não morrer e caminhar léguas para se estabelecer fez uma fortuna incalculável. Tudo indica que foi grato ao local onde viveu sua aventura de viajante solitário.

As cartas que deixou sobre a viagem são uma precisa descrição da Joinville e Curitiba de meados do século 19 e sua gente. Mostra-se pouco crente na agricultura. No governo. Conta que é preciso ter um facão à mão para cruzar os matos. Queixa-se do Correio demorado e das cidades de poucas ruas, todas avariadas. Descreve a pobreza das casas, mobiliadas com caixas e da falta de modos à mesa. Observa o serviço escravo, tranquilizando os europeus com medo de imigrarem: só atingia aos negros. Vê promessas no comércio. Não havia nada no Brasil que o dinheiro poupado pelos imigrantes pudesse comprar. Ao abrir uma casa de secos e molhados na “Rua Fechada”, faz a América. Teria se tornado um capitalista, como se dizia, em sete anos. Os seus o descrevem como um workaholic.

O apreço pela família é um segundo capítulo da saga – e tão interessante quanto. Ao se tornar um homem e posses, José começou a trazer seus irmãos, em mais de uma leva, ajudando-os a fazer carreira – particularmente no comércio. Uma monografia da historiadora Pamela Fabris é pródiga na competente descrição da fortuna amealhada em torno dos sete filhos de José e Thereza Weiser e os 12 irmãos estrangeiros. A Ferragens Hauer é obra de Francisco e Augusto.

Um terceiro capítulo bem poderia ser a sua partida, no auge da fama e da fortuna, em 1905, depois de um segundo casamento, com Anna Rieke. Tinha 65 anos. “Na bagagem, levou a terra do Paraná”, ilustra Carlos Hauer. Instalou-se em Wiesbaden. Como não podia mais subir à torre para contemplar a Serra do Mar e sonhar com Antonina, batizou a mansão em que morava na Alemanha de “Curityba”, tendo imprimido o nome da cidade num relevo da fachada.

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