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O jipe saiu da rodovia e entrou numa estrada vicinal quando ainda restavam seis dedos entre o sol e a linha do horizonte. Teríamos, então, aproximadamente, uma hora e meia de luz para chegar ao lugar da pesca e aprestar acampamento.

Percorremos alguns quilômetros entre capoeirões até parar em frente da casa de um sitiante. Meu tio desceu fazendo festa e brincando com o homem que, rodeado por cães agitados, nos indicou o melhor lugar para guardar o carro. Descarregamos a tralha e pegamos um caminho que ladeava o rio. No meio dos sobes e desces dos barrancos, de vez em quando víamos alguns trechos do rio, ora largo, ora em poços profundos, ora em correntezas rápidas. Nas águas cristalinas cardumes de curimbatás corriam assustados.

Durante a caminhada um cu­­rió nos seguiu por um bom tempo. Sei que era um curió porque um dos parceiros falou sobre as diferenças entre eles e os bicudos. Foi a única vez que vi um pássaro desta espécie solto na natureza.

O calor ainda abafava quando chegamos ao local – uma clareira frente a um remanso. Com presteza um dos parceiros com um facão cortou galhos retos para a estrutura da barraca. De uma árvore a uma forquilha fincada estendeu um galho, colocou varas inclinadas nas laterais e jogou por cima um encerado fixando-o. Para si, fez uma estiva, espécie de cama feita de paus, alta do chão, o suficiente para isolar o frio da terra.

Outro se encarregou da fo­­gueira e da lenha seca. E, en­­quanto o cozinheiro se ocupava com batatas, cebolas e tomates, meu tio pegou a tarrafa e foi tentar alguns peixes para melhorar a janta. Copos de caipirinha apareciam e desapareciam e com eles o barulho da conversa aumentava. A noite desceu rápida e as histórias ao redor do fogo versaram sobre pescarias, caçadas e piadas maliciosas. O companheirismo reinava – homem gosta de andar em tribo.

Tarde da noite ouvimos um barulho no mato – uma espécie de tchuááá – coisas caindo no chão por cima de folhas secas. Alguém comentou que eram sementes de mamona que, pelo calor dia, seguido da friagem da noite, explodiam e se lançavam longe da árvore mãe – a maneira da espécie espalhar sementes. É por isso que em dia muito quente fala-se de "um calor de arrebentar mamona". Aos poucos a conversa foi rareando, os mais cansados se recolheram deitando-se nos seus preparos. Fiquei ao redor do fogo ouvindo mais causos. Em dado momento ouvimos ao longe, cachorros acuando caça, latidos cuja musicalidade jamais iria esquecer: "Estão perto da caça e o cachorro mestre é muito bom, escutem seus latidos de incentivo à matilha, a ausência do medo e o cuidado na aproximação. É ele que comanda o bando", falou Nezinho, um experiente mateiro.

A noite passou e nos outros dias pescamos animados em águas limpíssimas. Novos causos e brincadeiras foram apresentados. Finda a pesca, cada um voltou para sua casa. Com o tempo vim morar em Curitiba. Meu tio deixou de pescar e sobre os parceiros, nunca mais ouvi falar.

Tempos atrás, voltando ao lo­­cal não reconheci o rio. No lugar, águas barrentas, margens imundas com sacos plásticos enganchados na galharia. Perguntei sobre o rio Jacaré e me disseram: Acabou, morreu, não tem mais peixe, não tem mais vida, vítima dos defensivos agrícolas e do desmatamento. Tomado por imensa tristeza, perguntei a mim mesmo: "Quantos da minha idade não viveram histórias semelhantes e hoje se perguntam – o que será dos nossos netos e bisnetos?"

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