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A sabatina do professor Luiz Edson Fachin no 12 de maio, no Senado Federal, trouxe luz a questão relevante a qual, talvez, venha a ser pautada pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discutir a constitucionalidade do Estatuto da Advocacia, no que disciplina o exercício da advocacia privada por membros de todas as carreiras da advocacia pública.

Na ocasião da sabatina, observou o professor que, durante a sua carreira como procurador do estado, fora informado pela Ordem dos Advogados do Brasil de que a regularidade de sua atuação como advogado público e privado decorreria de autorização do Estatuto da Advocacia nesse sentido, o qual seria lei federal editada sob competência privativa da União. De acordo com a Constituição Federal de 1988, compete à União Federal legislar sobre condições para o exercício de profissões (art. 22, XVI), e, sendo o referido Estatuto lei federal, deveria, ao menos em tese, sobrepor-se a constituições estaduais ou leis complementares que dispusessem em contrário, como era (e ainda é) o caso da Constituição do Estado do Paraná, por exemplo.

À parte a então situação do prof. Fachin, específica, adotado referido posicionamento para os dias de hoje, resultado é que procuradores federais, estaduais e municipais estariam autorizados a exercer a advocacia privada, sem exceção. Afinal, se o Estatuto da Advocacia prevê que advogados públicos somente estariam impedidos de exercer o ministério privado contra a entidade pública que os remunere (art. 30, I), e, sendo o Estatuto válido para todos os advogados públicos (art. 3.º, § 1.º), então, regimes jurídicos específicos de cada carreira, nesse ponto, poderiam ser declarados inconstitucionais. O argumento estaria correto?

Parece que não. O próprio Estatuto da Advocacia ressalva a sua autorização, conforme se lê no art. 3.º, § 1.º, ao dizer que “Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem”, todos os advogados públicos (grifamos). Esse é o tratamento infraconstitucional da matéria, além das constituições estaduais e leis orgânicas que tanto autorizam, quanto proíbem o ministério privado por advogados públicos. A pergunta que surge é a seguinte: como a questão é tratada pela Constituição de 1988?

O princípio federativo, que informa a organização política desenhada pelos constituintes originário e derivado, inclui em seu âmbito de proteção a mencionada competência privativa da União para legislar sobre condições para o exercício de profissões. Ocorre que, com relação à carreira institucional de advogados públicos, a Constituição silencia (exceto quanto a defensores públicos), de modo que a legislação infraconstitucional tem dado conta de estabelecer referida vedação, o que se funda naquele mesmo princípio federativo.

Procurando na jurisprudência consolidada do STF algum posicionamento da Corte sobre essa questão, não se encontra decisão que tenha, efetivamente, enfrentado a matéria. Aparentemente, a Constituição trata o tema de modo ambíguo, ou, contraditório. Porém, ambiguidade e contradição não há. O que se tem é uma competência privativa abrangente da União para legislar sobre o exercício de profissões em geral (art. 22, XVI), e uma competência privativa específica dos entes federados para regular o regime jurídico de carreiras públicas institucionalizadas (arts. 131 a 135). Trata-se, sinteticamente, de uma questão de reserva material de competências (inclusive, no caso dos procuradores federais, dentro de competência para legislar da própria União).

A delimitação do regime jurídico dessas carreiras alcança outras questões. O art. 28, I, do Estatuto da Advocacia da União, por exemplo, estabelece, para advogados públicos federais, a mesma vedação válida para advogados públicos de alguns Estados, inclusive do Paraná (”Art. 28. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União é vedado: I - exercer advocacia fora das atribuições institucionais”). Ou seja, advogados da União estão proibidos, pelo seu próprio Estatuto, de exercer a advocacia privada. Isso faz concluir que a lei complementar federal (Estatuto da AGU) sobrepõe-se à lei federal (Estatuto da Advocacia), por reserva material. Em recente decisão de juiz federal, confirmada no TRF da 4.ª Região, foi afirmado que procuradores federais não se submetem ao Estatuto da Advocacia pois, nas palavras do juiz da causa, “os integrantes da advocacia pública têm deveres e direitos próprios, autônomos e alheios à OAB, expressos na legislação de regência, a qual é incomunicável com as disposições do Estatuto da OAB, e se submetem ao poder de fiscalização correcional privativo da própria AGU, e não da OAB”. Tratava-se, no caso, de inscrição de procurador federal nos quadros da OAB.

Talvez o tema venha a ser discutido no STF. Em 2009, o Supremo deu provimento ao Agravo por Instrumento n.º 766.777, interposto contra decisão que inadmitira subida de recurso extraordinário no qual se discutia a submissão de advogado público a determinados dispositivos do Estatuto da OAB. A relatora do Agravo, ministra Cármen Lúcia, já determinou a subida do recurso, por se tratar de matéria constitucional e visualizar a possibilidade de sua repercussão geral. Antes, pode ser que o assunto venha a ser definido pelo próprio constituinte derivado. A PEC n.º 26/14, em trâmite no Senado Federal, é um exemplo.

Em síntese, tem-se, aqui, questão importante, relativa ao regime jurídico de servidores públicos, particularmente, de advogados públicos, e que nos leva a reflexões, à luz da Constituição Federal de 1988.

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