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A Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou, em 17/06, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 171/93) que altera a maioridade penal de 18 para 16 anos. O texto aprovado, diferentemente da proposta original, determina que esta alteração somente se aplicará aos crimes hediondos, homicídio doloso, roubo qualificado e lesão corporal grave seguida de morte. Ainda prevê que o cumprimento da pena se dará em ambiente separado dos adultos. Trata-se de uma alteração que promoverá significativas consequências no sistema prisional bem como reflexos em outras questões jurídicas, merecendo, portanto, algumas reflexões.

O problema está justamente em definir qual seria o momento em que o desenvolvimento mental estaria completo, indicando a imputabilidade do sujeito. Diversos estudos científicos apontam que antes dos 18 anos a personalidade humana e sua capacidade psíquica não estão plenamente formadas (tanto que esta idade é usada por mais de 78% dos países como critério de imputabilidade).

A fim de mitigar o peso da nova configuração da maioridade penal, optou-se pela redução seletiva (apenas para crimes hediondos e alguns outros), que é juridicamente ilógica. Pressupõe-se que o jovem entre 16 e 18 anos teria apenas consciência da ilicitude de alguns atos, sendo, assim, imputável, mas não teria consciência para outros crimes. Importante destacar que esta não seria a única consequência (e contradição) da aprovação da referida PEC 171/93.

Veja-se, por exemplo, os requisitos para habilitação de dirigir (art. 140, CTB): possuir carteira de identidade, saber ler e escrever e ser penalmente imputável. Caso seja aprovada a PEC, adolescentes de 16 anos alfabetizados terão direito à habilitação para dirigir. Não seria coerente entender que o adolescente tem responsabilidade penal pelos seus atos e, ao mesmo, não permitir que conduza veículo automotor.

Da mesma forma, as proteções previstas no ECA (pela incapacidade do adolescente de entender as consequências de seus atos) estariam mitigadas; não mais se aplicariam a esta faixa etária de 16 a 18 anos essas proteções. Veja-se, por exemplo, a proibição de venda de bebida alcoólica para menores de 18 anos (art. 243); ou pior, a vedação de se produzir ou expor à venda imagens e vídeos com estes jovens em cenas de sexo explícito ou pornográficas (art. 240 e 241) ou ainda de submetê-los à exploração sexual – corrupção de menores (art. 244). Caso se entenda pela capacidade destes jovens de responder (inclusive penalmente) pelos seus atos, o ECA não mais poderia sobre estes se aplicar. Estar-se-ia, assim, por uma questão de lógica jurídica, entendendo que eles são plenamente responsáveis por suas ações, quaisquer que sejam.

Desta forma, compreendendo-se as consequências da PEC 171, parece apressada e irresponsável a pretensão de reduzir a maioridade penal para os 16 anos (ainda que seletivamente). Especialmente se atentarmos para o momento em que estas reformas penais estão sendo realizadas. A credibilidade e a confiança sobre o poder político estão minadas (ainda que recém-eleito); denúncias de corrupção e críticas ao Congresso são recorrentes. Tentando responder às demandas do povo e satisfazer a opinião pública, o sistema político busca o caminho mais curto, que neste caso coincide com uma maior reprimenda penal.

A resposta punitiva parece sempre a mais fácil, mas é inócua, como se sabe, para lidar com a violência. Esta tentativa de atender aos anseios punitivistas da população configura o chamado populismo penal, ou seja, o discurso de que o aumento de penas, a criminalização de novas condutas e a expansão da imputabilidade penal seria o caminho adequado para a contenção do crime. Por mais que isto satisfaça o senso comum, em termos práticos não reduz a criminalidade (pelo contrário, pode agravá-la). A ideia de que penas mais duras possam surtir uma redução da criminalidade há muito já foi desconstruída pela criminologia. Penas mais duras não significam menos crimes, mas sim, apenas mais presos (o caráter intimidador da pena não é capaz de inibir condutas delitivas, como desavisadamente acreditam alguns). Imaginar que a redução da maioridade penal seja efetivamente o caminho para a redução da criminalidade é o mesmo que lutar contra moinhos de vento, uma ilusão ingênua.

Debates e reflexões sobre a violência de forma geral, e aquelas cometidas por (e contra) adolescentes, em especial, são fundamentais. Posições apressadas e levianas aqui podem se revelar desastrosas. As recentes reformas legislativas (PEC 171/93) parecem, no anseio de atender à opinião pública e de dar ao poder legislativo credibilidade, não levar em conta seus possíveis desdobramentos. Apelando muitas vezes para o sensacionalismo e sentimentalismo que envolve alguns casos concretos específicos, esquece-se que leis penais não podem ser produzidas com base em exceções. Reformas legislativas atabalhoadas produzem mais problemas e prejuízos do que os que visam a resolver. Parece ser esse o caso da redução da maioridade penal.

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