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Imagino que todos se lembrem do que faziam no dia 11 de setembro de 2001. Eu estava em uma aula de matemática e a professora nos contou que se atrasou um pouco por essa razão. O terrorismo era algo distante de mim, mas próximo de muitos outros.

A sequência de atentados terroristas em Paris já passou mais perto. Não geograficamente, mas afetivamente. Fiquei sabendo do atentado por uma mensagem de um amigo avisando a todos que estava bem. Ele estava andando para a estação de metrô Oberkampf, ouviu os tiros e correu para casa. Outro amigo, soube depois, estava seguro em casa, mas teve que sair resgatar um colega que estava em estado de choque após o primeiro tiroteio. Com isso, ele ouviu, da rua, os tiros do “segundo ato”.

Discorrer sobre esse atentado exige um recorte, pois muito há de ser dito sobre o assunto. Mesmo o foco jurídico não é suficiente para restringir o tema a uma só discussão. Por essa razão, não abordarei questões completamente pertinentes, como a definição do tema no direito internacional (que pode, inclusive, colocar estados ocidentais como praticantes de terrorismo). Sobre a proposta que tramita no parlamento brasileiro apenas remeto à luta que a sociedade civil norte-americana, por meio de organizações sérias e respeitadas como a American Civil Liberties Union e o Brennan Center for Justice, empreende para restaurar liberdades civis perdidas em decorrência do atentado de 11 de setembro.

A respeito do atentado em Paris, gostaria de compartilhar três reflexões: a relação da imigração com a cultura francesa; a resposta da sociedade francesa aos atentados e a natureza de Paris.

Todos os estrangeiros que passam a morar na França são obrigados a registrar-se, apresentando comprovante de endereço, na Polícia Nacional. Em 2009, numa tentativa malsucedida de desburocratização, foi criado o Office Français de l´Immigration et de l´Intégration. O nome do órgão já diz muito da relação francesa com os imigrantes: é uma relação de integração. Isso difere, por exemplo, da postura norte-americana ou inglesa, onde a diversidade cultural é, até certo ponto, aplaudida. A cultura francesa, ao contrário, preza pela sua própria manutenção, caracterizada pela integração dos estrangeiros à sua cultura. Tal postura tem prós e contras e discorro sobre ela como constatação e não julgamento, pois a postura oposta também causa problemas.

Dessa forma, há um constante conflito social nos arredores de Paris, num incoerente problema de integração vindo justamente da tentativa estatal de integração. De novembro de 2005 a janeiro de 2006, 25 departamentos franceses ficaram em estado de emergência como resposta à revolta de jovens que queimaram quase 9 mil carros – e até onde eu saiba, um carro ou outro ainda continuam sendo queimados na festa de ano novo.

A sociedade francesa reage, visando proteger a sua cultura, de diversas formas. A lei do véu – tecnicamente chamada de “lei proibindo a dissimulação do rosto no espaço público (2010)” – é uma medida extrema e que demostra a reação da sociedade francesa ao outro, ao diferente. A extrema-direita francesa cresce a cada dia com esse discurso e é a ela que se une o Estado Islâmico nos proveitos políticos dos atentados. Nesse ponto é interessante notar que os maiores defensores da laicidade do estado, são também os mais abertos aos mulçumanos, enquanto a própria laicidade é utilizada para proibir símbolos religiosos islâmicos nas escolas, sem proibir um discreto crucifixo (ver “lei sobre os símbolos religiosos nas escolas públicas francesas (2004)”).

O que é necessário reconhecer nesse momento é justamente a existência “do outro”. E que há imigrantes fugindo de uma situação terrível. O que os franceses precisam ver – e eu sei que é isso que meus amigos franceses percebem – é que os refugiados sírios fogem exatamente do terror que o Estado Islâmico (nome que sempre me faz refletir sobre a natureza política de um estado) importou para Paris. De toda forma, possivelmente essa não é a visão majoritária da sociedade francesa e que pode nos levar a uma nova guerra ao terror.

Por fim, cabe adicionar um comentário histórico à análise. Andrew Hussey, em seu livro “A história secreta de Paris”, descontrói a ideia romântica da cidade, mostrando como constantes conflitos sociais construíram a cidade de Paris que temos hoje. O esplendor dos bulevares haussmanianos surgiu de ordem do Imperador Napoleão III como estratégia de guerra contra as famosas barricadas parisienses. Os charmosos bairros do Quartier Latin e do Marais sobreviveram ao século XIX graças à queda do imperador e a eles as barricadas voltaram no Maio de 1968.

O que os eventos recentes somam ao turbilhão cultural é um elemento cruel, desnecessário e que pode gerar uma resposta questionável do ponto de vista humanitário e do direito internacional: o terror.

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