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Quando, em junho de 2013, as ruas brasileiras ganharam envergadura colossal pela reivindicação popular de uma série de direitos urbanos historicamente sonegados, houve quem vislumbrasse que um gigante havia acordado. Melhor se diria que o país despertou para o tamanho do gigante que tem de enfrentar: a magnitude da pobreza, da desigualdade e da injustiça social, ao lado da escala cada vez mais descontrolada das próprias cidades onde elas vicejam.

Não é por acaso que as atuais crises do transporte público e do abastecimento de água são reconhecidas como eminentemente metropolitanas, angústias da metrópole. Demonstram isso os impasses da RIT, em Curitiba e Região, e os sufocos da Cantareira, na Grande São Paulo, por exemplo. Mas a moradia popular, os resíduos sólidos, a preservação ambiental, entre outras questões prementes, não fogem à regra, ao extrapolarem, tanto em gênese quanto em solução, o território de um só município.

Afinal, o cotidiano da população, em grande medida, não se limita mais às fronteiras do município de domicílio: trabalhamos, consumimos, residimos, estudamos e votamos em localidades distintas, vivendo a metrópole como realidade una. Apesar disso, a Administração Pública e suas instituições permanecem atadas ao pacto federativo em seus moldes tradicionais, custando a aderir a consórcios ou protocolos de cooperação que permitam coordenar esses serviços.

É essa a tendência que o Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015) vem combater. O novo marco, aplicável às regiões metropolitanas, às aglomerações urbanas e, subsidiariamente, às microrregiões, supre antigas lacunas conceituais e normativas. Muito embora a Constituição de 1988 já previsse em seu art. 25, §3º a criação desses tipos de entes visando integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, faltava explicitar categorias, diretrizes e regras nacionais para tanto.

Entre eles, o conceito de função pública de interesse comum, definido pelo art. 2º do diploma como toda “política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municípios limítrofes”. Portanto, não apenas serviços compartilhados, mas também obras e projetos de grande porte deverão deixar a órbita exclusiva do interesse local e se submeterem ao interesse comum metropolitano e seus novos organismos.

Logicamente, esse rol de atribuições tem de ser exercido com foco na articulação das várias políticas setoriais, razão pela qual cada região metropolitana deverá elaborar, até janeiro de 2018, seu Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado, a partir de audiências públicas, estudos técnicos e acompanhamento do Ministério Público. Caso o prazo não seja cumprido, a sanção é de improbidade administrativa aos gestores responsáveis, nos termos do art. 21. Por sua vez, aos prefeitos municipais caberá adequar seus Planos Diretores ao PDUI.

Não é difícil imaginar que tal deslocamento de competências engendrará conflitos e esbarrará na resistência de parte da classe política, uma vez que implica profunda repartição de poderes. Trará, igualmente, repercussão no âmbito financeiro-orçamentário, com imperativo de redistribuição de recursos públicos e descentralização de investimentos.

Para tanto, o Estatuto da Metrópole aposta na consolidação da governança interfederativa, com instâncias de deliberação que contemplem a participação de todos os Municípios, de representantes do Estado-membro e da sociedade civil, em homenagem ao princípio da gestão democrática, já consagrado na Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Aqui, não existem modelos pré-fixados de organização. Todavia, na esteira do que decidiu o STF, em 2013, na ADI 1.842/RJ, é certo que “a participação dos entes nesse colegiado não necessita ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente”. Vale dizer, o equilíbrio entre poderes e deveres há de ser respeitado entre os diversos atores presentes nessas unidades territoriais.

A despeito disso, as metrópoles paranaenses permanecem praticamente acéfalas. É verdade que os primeiros passos para reconstruir sua dimensão institucional foram dados pela sociedade civil e pelo governo. Pesquisadores e movimentos sociais lançaram, em julho, uma Carta de Princípios para a Governança Metropolitana , pautada nas noções de participação popular, equidade socioespacial e desenvolvimento sustentável. A seu turno, o Estado do Paraná acaba de constituir um Comitê para a Implantação do Estatuto da Metrópole. Como ambas as forças irão interagir, não se pode ainda prever. É inegável, porém, que, na infatigável busca pela metrópole perdida (das vistas do Poder Público, pelo menos), a Carta Magna elege o alargamento da dignidade da pessoa humana e a concretização dos direitos fundamentais como bússolas. Só assim deixaremos de ser meros citadinos e passaremos a ser, efetivamente, cidadãos metropolitanos.

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