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Na quinta-feira da semana passada (27/10), foi sancionado um projeto de lei complementar que cria e regulamenta a figura do investidor-anjo para fomento da inovação e investimentos produtivos. As disposições são bastante específicas, com mecanismos de proteção à autonomia e preservação de caixa das startups e de maior segurança aos investidores, sejam pessoas físicas, jurídicas ou fundos de investimento. Como qualquer inovação legislativa, ainda haverá dúvidas, críticas e conflitos de interpretação, mas os destaques são positivos.

Investidor-anjo, embora ainda não contasse com nenhuma previsão legal no Brasil, é uma denominação já conhecida no ecossistema das startups no mundo todo. Corresponde ao investidor que contribui no estágio inicial da startup, geralmente, além dos aportes de capital, com seus conselhos, experiência e rede de relacionamentos, mesmo sem assumir qualquer função executiva. Tais contribuições são de grande valia considerando que muitos empreendedores de startup são pouco experientes. Em contrapartida, o investidor tem a possibilidade de obter elevados retornos, considerando a característica principal que define as startups: potencial de ganhos em escala exponencial.

Os obstáculos da legislação representam parte das grandes dificuldades que vêm sendo encontradas pelas startups no Brasil. Some-se a isso a cultura difundida de desincentivos aos empreendedores e investidores, sujeitando-os a riscos jurídicos desproporcionais aos riscos empresariais em nome, principalmente, da proteção às minorias mais fracas (empregados e consumidores) e ao Fisco. Some-se, ainda, o caixa escasso de uma empresa ainda sem (ou com baixo) faturamento diante de necessidades de investimento elevado em tecnologia e distribuição, prioritários aos investimentos em estrutura jurídica. O resultado tem sido, até o momento, tentativas privadas de adaptação de modelos contratuais estrangeiros comuns, incapazes de oferecer segurança jurídica adequada.

Na tentativa de redução de custos, é comum a empresa visar à adequação ao regime tributário do Simples Nacional. Todavia, isso a impede, por força de lei, a adoção do tipo societário de sociedade anônima, que conta com mecanismos mais apropriados às relações de investimento, tais como as debêntures. Como microempresa ou empresa de pequeno porte, simples contratos de mútuo estariam sujeitos às limitações de juros da lei de usura e do código civil; e sociedades em conta de participação poderiam garantir a participação nos lucros da empresa, mas não na propriedade – principal atrativo diante da possibilidade de rápida e elevada valorização e liquidação.

Os instrumentos mais comuns passaram a ser os empréstimos conversíveis em ações, pelos quais, após certo prazo, os investidores têm o direito de exigir a transformação em sociedade anônima e o recebimento de ações, conforme critérios de conversibilidade pré-acordados, que lhes garantem participação na venda da empresa. Para garantir sua eficácia, as quotas da sociedade podem ser empenhadas em favor dos investidores. Ainda assim, quaisquer eventuais conflitos tornam necessária a intervenção judicial para a execução do contrato.

A inovação legislativa apresenta uma estrutura específica, limitada às micro e pequenas empresas, de faturamento anual máximo correspondente a R$ 4,8 milhões, ou seja, justamente ao tipo de empresas que carecia de uma estrutura de investimentos com regulamentação própria adequada. Como principais diferenciais vantajosos, expressamente determina que os investidores anjo não estejam sujeitos a qualquer responsabilidade pessoal, nem mesmo em sede de recuperação judicial, não lhes sendo aplicável o instituto da desconsideração da personalidade jurídica inserto no art. 50 do Código Civil. Outro destaque importante é a previsão expressa de direito de preferência e de venda conjunta (conhecido por tag along) nas mesmas condições oferecidas aos sócios, garantindo a participação do investidor em eventual venda da empresa.

Como o investimento-anjo é voltado especificamente para o estágio inicial da empresa, a vigência do contrato deve ter prazo máximo de sete anos e prever remuneração pelos aportes em período máximo de cinco anos. Como contrapartida à limitação de responsabilidade, veda o exercício da atividade constitutiva do objeto social e a gerência ou voto na administração da empresa, o que também pode ser benéfico garantindo a necessária dinamicidade. Dentre outras disposições, também há a previsão de limitação de remuneração com base nos resultados distribuídos em 50% dos lucros e limitação do resgate em prazo mínimo de dois anos e valor correspondente ao valor corrigido do investimento.

No geral, essa inovação legislativa é bastante positiva. Permite uma estruturação diferenciada das opções que vinham sendo utilizadas, com previsão específica que visa adequar-se aos interesses tanto dos empreendedores como dos investidores. Espera-se que, acompanhada de um contrato bem estruturado, ofereça maior segurança jurídica ao investidor-anjo e de fato incentive os investimentos em inovação.

Maurício Maciel, advogado da área comercial do Marins Bertoldi Advogados Associados.

Resumo do projeto

O PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 25-I DE 2007 altera a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, para reorganizar e simplificar a metodologia de apuração do imposto devido por optantes pelo Simples Nacional; altera as Leis nºs 9.613, de 3 de março de 1998, 12.512, de 14 de outubro de 2011, e 7.998, de 11 de janeiro de 1990; e revoga dispositivo da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

A Lei Complementar nº 123/ 2006 passa a permitir o enquadramento no Simples Nacional de empresas com faturamento anual de até R$ 4.800.000,00(quatro milhões e oitocentos mil reais). No que tange ao investimento-anjo, acrescenta à mesma Lei Complementar os artigos 61-A, 61-B, 61-C e 61-D.

Em síntese: (i) admite aporte de capital que não integrará o capital social; (ii) prevê prazo limite do contrato de 7 anos; (iii) prevê que o objeto social deve ser exercido exclusivamente pelos sócios regulares sob sua exclusiva responsabilidade; (iv) veda o investidor-anjo de gerência ou voto na administração, não sendo considerado sócio; (v) isenta o investidor-anjo de responsabilidade pessoal, inclusive em recuperação judicial e desconsideração da personalidade jurídica nos termos do art. 50 do Código Civil; (vi) limita a remuneração do investidor anjo em 5 anos e, no máximo, 50% dos lucros da sociedade; (vii) permite o resgate do investimento após o prazo mínimo de 2 anos, mediante apuração de haveres, limitado ao valor do investimento corrigido monetariamente; (viii) permite a transferência de titularidade do investimento, em regra mediante consentimento dos sócios; (ix) prevê a possibilidade de tributação sobre a retirada do capital investido por regulamentação do Ministério da Fazenda; (x) outorga direito de preferência e de venda conjunta ao investidor-anjo em caso de venda da empresa, nos mesmos termos e condições ofertados aos sócios; e (xi) permite o investimento por pessoas físicas, jurídicas ou fundos de investimento.

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