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Em tempos de crise, acirram-se disputas por clientela. Trata-se de uma constante vital para a perpetuidade dos negócios, comum tanto às multinacionais do CIC, quanto a uma variada gama de prestadores de serviços, até mesmo para seu Flores, estimado proprietário duma modesta mercearia no Bairro Parolin.

Tal embate compreende atos legítimos de oferta e atração do comprador. Vence aquele que efetivamente vende. Preços acessíveis, qualidade do produto/serviço e pagamento estendido costumam chamar a atenção, mas nem sempre são suficientes para se fechar um negócio. Em regra, a venda depende da criatividade do fornecedor, da habilidade em cativar a clientela e convencê-la de que suas condições são melhores que as do concorrente.

A ânsia, entretanto, por mais consumidores fomenta, não raras vezes, a prática de manobras reprováveis, embora discretas, com nefastas consequências. Nesse cenário, à repreensão dessas condutas, as ditas leis de mercado são inócuas. A complexidade e relevância da matéria ensejaram a promulgação de normas positivas, leis, para regulamentar os limites do possível em termos de concorrência.

Ora, a livre concorrência é um dos fundamentos da ordem econômica da República Federativa do Brasil, assim regida pelo artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal. Rememore-se a definição clássico-liberal de concorrência, compreendida como “regime de iniciativa privada em que as empresas competem entre si, sem que nenhuma delas goze da supremacia em virtude de privilégios jurídicos, força econômica ou posse exclusiva de certos recursos. Nessas condições, os preços de mercado formam-se perfeitamente segundo a correção entre a oferta e procura, sem interferência predominante de compradores ou vendedores isolados” (SANDRONI, Paulo).

Até aqui, imagina o leitor, não há novidade alguma, senão mera revisão de elementos básicos de teoria econômica. Vejamos, todavia, os casos excepcionais, em que o princípio da livre concorrência deixa de ser prestigiado.

O §4º, do artigo 173, da CF, prevê que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. A inteligência do constituinte identificou hipóteses pontuais de manipulação do mercado por agentes econômicos e delegou ao legislador ordinário a competência para normatizar a matéria relativa à concorrência desleal, que “se caracteriza quando utilizado meio imoral, desonesto ou condenado pelas práticas usuais dos empresários” (COELHO, Fábio Ulhôa). Ou seja, trata-se de conduta desleal de prospecção de clientela, condenada pelos usos e costumes do mercado. Para Pontes de Miranda, “é ato reprimível criminalmente e gerador de pretensão à abstenção ou à indenização, que se praticou no exercício de alguma atividade e ofende à de outrem, no plano da livre concorrência”.

Sobreveio, então, a Lei nº 9.279/96, que tipifica o crime de concorrência desleal e encerra, ao lado de outras legislações, o chamado regime normativo da defesa da concorrência voltada ao reestabelecimento das condições do mercado livre. Também a Lei nº 8.137/1990 tipifica como crime o abuso do poder econômico por grandes corporações visando ao domínio do mercado e à eliminação da concorrência mediante ajuste ou acordo entre empresas. Ainda, a Lei nº 12.529/2011 qualifica como infração da ordem econômica os atos que tenham por objeto limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, dentre outras condutas reprováveis.

Não é de hoje, portanto, que a intervenção estatal (até mesmo de ofício) na investigação e repreensão de ilícitos danosos à livre concorrência, seja na esfera judicial, seja no âmbito administrativo, e nos casos em que é constatada a violação da ordem econômica, a punição é severa. Demandas judiciais dessa natureza, entretanto, não são corriqueiras, mormente pela dificuldade na produção das provas, em que pese a efetiva ocorrência do ilícito.

A título de ilustração, é pública e notória a notícia do procedimento administrativo que tramitou no Conselho de Defesa Econômica (CADE) e apurou a então suposta prática de cartel no mercado de cimento no Brasil por seis empresas do ramo, respectivos executivos e associações vinculadas. No caso, após detalhada análise das provas, o relator do caso, conselheiro Alessandro Octaviani, identificou a formação do cartel e condenou os envolvidos ao pagamento de multas (que somadas ultrapassam R$ 3 bilhões) e liquidação de parte dos ativos das empresas (leia-se, venda da capacidade produtiva para descaracterização do monopólio).

A notícia impressiona não só pelo valor da condenação, mas, sobretudo, pela constatação de que efetivamente há rigorosa fiscalização contra as corriqueiras práticas abusivas de mercado (monopólio, concorrência desleal e o próprio cartel) em razão das quais o consumidor final é quem sofre o maior prejuízo.

No exemplo concreto, o cartel do cimento gera o aumento do Índice Nacional da Construção Civil (INCC ), o que reflete no IGPM/IGPD-I e implica diretamente na alta da inflação, o que afeta as multinacionais do CIC, os prestadores de serviços, até mesmo o simpático “Seu” Flores, da mercearia lá do Parolin.

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