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O protagonismo do Judiciário na sociedade brasileira se tornou ainda mais evidente ao longo de 2015. Desde a Operação Lava Jato e suas mais de duas dezenas de fases até o apagar das luzes do Supremo Tribunal Federal, com o julgamento sobre o impeachment. Cada vez mais se tem requerido que a magistratura e as entidades que a representam respondam aos questionamentos da sociedade e se posicionem. Em clima de retrospectiva, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Antônio César Bochenek, conversou com o Justiça & Direito por e-mail sobre alguns dos temas que estiveram na pauta deste ano e que estarão na de 2016. O juiz paranaense falou sobre o destaques do colega Sérgio Moro e o incentivo que ele faz a outros magistrados ao condenar poderosos em decisões que, em sua grande maioria, vêm sendo mantidas pelos tribunais superiores. Bochenek também apontou alguns dos pontos relevantes da nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e respondeu às críticas sobre os benefícios que são considerados vantagens por alguns. O presidente da Ajufe defendeu, ainda, a instalação dos Tribunais Regionais Federais. “As crises e instabilidades são passageiras, já enfrentamos em outros momentos, e, não tenho dúvidas, enfrentaremos no futuro. Elas não podem condicionar a criação dos novos tribunais”.

Lado B

Currículo: juiz federal em Ponta Grossa (PR), Mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

Livro: A máquina de madeira. Miguel Sanches Neto. Companhia das Letras, 2012

Juristas que o inspira: José Joaquim Gomes Canotilho

Nas horas vagas: gosta de cozinhar e nadar

Qual a avaliação de 2015 do ponto de vista da magistratura e da Ajufe?

O ano de 2015 foi de grandes avanços e de fortalecimento democrático das instituições. O Judiciário tornou-se protagonista no cenário nacional. Refiro-me não apenas às decisões tomadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, mas, principalmente, ao trabalho dos juízes que prestam os seus serviços mais próximos dos cidadãos. Na Ajufe, avançamos em várias frentes. A nossa participação aumentou nos debates de tema relevantes para o país, por meio de alternativas e soluções para situações graves, como a impunidade persistente daqueles que dispõem de recursos financeiros para ingressar com centenas de recursos nos tribunais. Junto com o juiz federal Sérgio Moro, defendemos a aprovação do projeto de lei do Senado 402/2015, que prevê a possibilidade de cumprimento da pena por crimes graves a partir da condenação por tribunal. No CNJ, propusemos a regulamentação dos bens apreendidos, para que tenham uma melhor destinação do ponto de vista público. Na mesma linda, estamos em contato com o Executivo para manejarmos novas formas para a administração e destinação de bens apreendidos, entre outras medidas que visam à efetividade da prestação jurisdicional e o fim da impunidade. No campo acadêmico, realizamos novos fóruns de debates a respeito de problemas que afetam diretamente a Justiça (Execuções Fiscais, e Conciliação e Mediação). Já estamos organizando o I FONAGE – Forum Nacional de Administração, Gestão e Estratégia do Poder Judiciário, que será realizado em maio de 2016 em Curitiba. Na área social, retomamos o projeto “Expedição da Cidadania”, que atende a populações de regiões mais isoladas e menos favorecidas com a prestação de vários serviços públicos e essenciais.

A Ajufe vai adotar algum posicionamento específico com relação à questão do impeachment?

Esse tema vem sendo tratado nos foros adequados, dentro da mais estrita normalidade institucional. Há um processo em curso no Poder Legislativo contra a titular do Poder Executivo. Tal procedimento foi questionado no Poder Judiciário. Qual o significado desse cenário? As instituições democráticas estão em funcionamento pleno: um Poder exerce freios e contrapesos em relação ao outro, sem sobressaltos, sem riscos às garantias individuais e aos direitos fundamentais. A Ajufe acompanha o caso com atenção e não se furtará a denunciar eventuais desrespeitos aos preceitos democráticos.

Na prática, são quatro graus de jurisdição. Quem se beneficia disso? Apenas pessoas abastadas e poderosas, que dispõem dos recursos financeiros necessários para abarrotar as cortes com recursos

A Ajufe tem prestado todo o apoio ao juiz Sérgio Moro durante a Lava Jato. Como lidar com esta situação em que um magistrado é visto pela grande massa da população como a face da magistratura? Que benefícios e desafios isso traz para os juízes?

A Ajufe – entidade que congrega 96% dos juízes federais em atividade – está a postos para defender sempre quaisquer de seus associados que venham a sofrer ataques descabidos. Prestamos todo o apoio ao juiz Sérgio Moro e também a tantos valorosos magistrados que desempenham diariamente suas funções. Moro é um magistrado preparado, estudioso, competente e com uma capacidade de trabalho incrível, além de ter dado grandes exemplos a todos, principalmente em relação ao comportamento como integrante do Judiciário. A grande maioria de suas decisões tem sido mantida nas instâncias superiores, a despeito notoriedade dos réus envolvidos – empresários e políticos – o que chama muita atenção para a sua atuação. Certamente, houve a quebra de um paradigma, pois, até recentemente, era incomum ver pessoas abastadas e poderosas na prisão. Para os magistrados, esse é um elemento motivacional para a uma prestação jurisdicional cada vez mais efetiva, imparcial e imune às pressões do poder econômico.

Diante deste contexto de crise e instabilidade, como fica a instalação dos novos Tribunais Regionais Federais (TRFs)?

A batalha pela instalação dos novos TRFs começou há cerca de 20 anos com a união de diversos setores da sociedade. Em 2013, conseguimos a aprovação no Congresso Nacional, mas, uma liminar do então presidente Joaquim Barbosa suspendeu os efeitos da emenda constitucional. Desde então, tentamos demonstrar que a questão é urgente. As crises e instabilidades são passageiras, já enfrentamos em outros momentos, e, não tenho dúvidas, enfrentaremos no futuro. Elas não podem condicionar a criação dos novos tribunais, a qual responde a uma demanda estrutural da sociedade brasileira, principalmente dos cidadãos que vivem nas regiões beneficiadas, como o Paraná. As forças políticas e sociais do nosso Estado precisam continuar a trabalhar pela instalação dos Tribunais. Essa é uma luta legítima e, sobretudo, justifica-se pelos critérios objetivos já demonstrados desde a aprovação da Emenda Constitucional.

Em 2016, a Ajufe comandará a Ação 4 da Enccla (Estratégia, Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral), que discutirá o pagamento de recompensas a denunciantes de crimes contra a administração pública. Qual a proposta da entidade?

A Ajufe tem participado ativamente da Enccla. A Ação que coordenamos em 2014 resultou no PLS 402/2015, que combate frontalmente o problema da impunidade e da falta de efetividade da Justiça criminal ao modificar regras do processo penal para restringir a possibilidade de recursos protelatórios infindáveis. Com relação à Ação 4 de 2016, o objetivo é discutir a possibilidade de se recompensar o cidadão que denunciar crimes como desvio recursos públicos. Isso, desde que a pessoa não esteja envolvida nos delitos. É preciso deixar bem claro que não se trata de delação premiada. Nos Estados Unidos, o instituto é conhecido como “whistleblower”. Em princípio, a recompensa seria uma fração do montante recuperado após a denúncia. O desembargador federal paranaense Marcio Rocha representará a Ajufe e comandará os trabalhos desta ação da Enccla.

Os benefícios são contrapartidas mínimas, já que os magistrados poderiam ter rendimentos mais elevados em outras profissões

O PLS 402/2015 já foi objeto de audiência pública no Senado, da qual participou o senhor e o juiz Sérgio Moro. Os críticos afirmam que ele afronta o princípio da presunção de inocência. Como a Ajufe responde?

Nós respeitamos às críticas, mas discordamos de todas elas. O princípio da presunção de inocência garante que todos sejam considerados inocentes até prova em contrário. Ele não é absoluto e convive com outros princípios, entre eles, o da efetividade da jurisdição e do duplo grau de jurisdição, além da preservação de todos os direitos dos ofendidos. O regramento jurídico brasileiro consagrou uma distorção. Vejamos: o cidadão é condenado pelo juiz de 1º grau. Dessa decisão, cabe recurso ao Tribunal, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Na prática, são quatro graus de jurisdição. Quem se beneficia disso? Apenas pessoas abastadas e poderosas, que dispõem dos recursos financeiros necessários para abarrotar as cortes com recursos que têm o intuito único de fazer o crime prescrever. Ademais, nos EUA e na França, para citar apenas dois países, considerados berços das garantias individuais, adotam sistemas mais rigorosos do que este constante da proposta da Ajufe, com a prisão dos condenados já após a 1ª instância.

Quais os pontos mais relevantes que devem estar contidos na nova Loman?

A Ajufe defende a democratização do Poder Judiciário. Queremos estender o voto a todos os juízes de 1º grau. Felizmente, a proposta foi parcialmente acolhida em recente sessão administrativa do Supremo e deverá constar do texto a ser encaminhado ao Congresso Nacional. Outro ponto fundamental é o princípio da simetria – já previsto na Constituição – segundo o qual os integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário não podem perceber vantagens distintas. Trata-se de uma garantia do próprio cidadão, que tem preservado o seu direito a um julgamento equilibrado e livre de distorções provocadas por questões remuneratórias ou influência indevidas.

Algumas propostas da nova Loman despertam críticas porque certos benefícios representariam aumento considerável nos rendimentos dos magistrados. Como a Ajufe responde a essas críticas?

As garantias e prerrogativas do cargo de juiz têm uma função expressa: dar ao ocupante condições materiais que lhe permitam decidir com absoluta isenção. Ao se tornar juiz, o cidadão abdica da possibilidade de auferir ganhos com outras atividades econômicas. Não podemos ter empresas, participar de agremiação política ou disputar eleições. Apenas podemos desenvolver atividade acadêmica. Os benefícios são contrapartidas mínimas, já que os magistrados poderiam ter rendimentos mais elevados em outras profissões.

Quais os principais desafios da magistratura hoje?

Os principais desafios da magistratura de hoje é oferecer um serviço cada vez melhor, que seja efetivo, dentro de um prazo razoável e com imparcialidade. Esse é o nosso propósito, pelo qual lutamos diariamente. Para o atingir, é preciso redimensionar a Justiça Federal, é preciso aperfeiçoar a processo judicial eletrônico, é preciso garantir condições de segurança mínima aos magistrados, além de um corpo técnico de servidores bem remunerado e capacitado. Temos avançado gradualmente. O Judiciário de hoje é melhor do que era há 20 anos. Estou convicto de que as associações têm um papel fundamental junto com a sociedade civil para tornar o Judiciário mais efetivo e democrático.

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