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 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

A integração de América do Sul pela cooperação judicial, com foco nos cidadãos, é defendida pelo diretor geral Escola Judicial da América Latina, José Sebastião Fagundes Cunha. Para ele, esse seria um caminho importante para resolução de questões ambientais e criminais na região. Fagundes Cunha também é desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná e está à frente do seminário Direito Processual Civil nos Tribunais Superiores, que começa nesta sexta-feira (13) em Foz do Iguaçu. O magistrado conversou com a reportagem do Justiça & Direito e falou sobre a atuação da Ejal, sobre sua opinião a respeito do novo Código de Processo Civil e sobre como vê o papel do magistrado na sociedade.

Ficha Técnica
  • Currículo: desembargador da 18.ª Câmara Cível do TJ-PR; mestre em direito das relações sociais pela PUC-SP; doutor em direito das relações sociais pela UFPR; pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra (Portugal); professor titular da Faculdade de Direito dos Campos Gerais; cidadão honorário de Ponta Grossa ; sócio efetivo perpétuo da Academia de Letras dos Campos Gerais; sócio efetivo, da Academia de Letras José de Alencar (Curitiba)
  • Juristas que admira: Teresa Celina Arruda Alvim Wambier, André Franco Montouro, Donaldo Armelin e Araken de Assis
  • O que está lendo: A Ciência da Sobrevivência , L. Ron Hubbard
  • Nas horas vagas: Gosta de criar carneiros, cabritos e de pescar

O senhor é o coordenador da Escola Judicial da América Latina. Quais são os objetivos da escola?

Num seminário da Rede Latino-Americana de Juízes, em Cartagena das Índias, na Colômbia, envolvendo 19 juízes, foi deliberada a criação de uma escola judicial responsável por organizar grandes eventos e para trabalhar o ensino a distância. O primeiro grande evento da escola foi sobre a criação da Unasul (União de Nações Sul-Americanas). Existem questões hoje como a cidadania cosmopolita, a cooperação judicial nacional e internacional, a delinquência extraterritorial o tráfico de órgãos, de mulheres e de entorpecentes, que têm uma legislação muito mais avançada na União Europeia. Por exemplo, um juiz da França pode mandar prender alguém em Portugal ou em outro país. Nós não dispomos desta aproximação. Temos o Mercosul há muitos anos e uma nota fiscal do Paraguai não tem validade no Brasil. O que há é uma ficção da integração regional. É importante a questão dos biomas naturais: o rio Amazonas, por exemplo, embora seja o maior leito caudal de água potável do Brasil, tem suas suas nascentes são no Peru, no Equador e na Colômbia. Diferente desses países, o Brasil tem uma legislação ambiental rigorosa. Não adianta um país se comprometer com a preservação do rio, se as nascentes estão fora do seu território e no Peruhá exploração de ouro e mercúrio.

Seria o caso então de realizar uma constituição da Unasul?

Não, já existe a Unasul. Lamentavelmente a imprensa e a academia no Brasil não discutem isso. São 12 países que instalaram a Unasul. O Brasil e mais 11 países fundaram a Unasul, que já tem um parlamento. O Ministério da Defesa já é integrado com todos os países da Unasul. Então as políticas de defesa internacional do exército, da marinha e da aeronáutica não são mais simplesmente brasileiras. Elas agem em função de todo o território da América do Sul, só que ninguém discute isso. Fui o primeiro desembargador a julgar isso: um argentino vem ao Brasil e atravessa a Ponte da Amizade; se ele sofrer um acidente no lado brasileiro ele recebe o seguro DPVAT ou não? Eu mandei pagar. Mas na legislação não consta que é obrigatório pagar. Então a integração regional – nós entendemos que deve acontecer não o capital como acontece no Mercosul, o nosso interesse é que a integração se dê pelo homem, pelos interesses do cidadão: circulação de trabalho, renda e livre comércio. Enfim, a proposta da Escola hospeda questões de cooperação judicial como existe na Europa.

Como é lá na Europa?

Hoje, um juiz na Europa tem o e-mail, o celular, o telefone do fórum e da residência de cada juiz da União Europeia. Por exemplo, se há desconfiança de tráfico de entorpecentes, um juiz da França liga para um juiz da Alemanha e essa carga será interceptada. Aqui no Brasil você não conhece o juiz do trabalho, não conhece o juiz estadual, que por sua vez não conhece o juiz federal. E sequer existe mecanismo de cooperação judicial entre os vários estamentos do Judiciário.

Também há a defesa de um tribunal de justiça da Unasul ...

Nós estamos defendendo isso principalmente pelas questões ambientais. Entendemos que se o homem não tomar cuidado com o futuro do meio ambiente, teremos problemas seríssimos. São duas as vertentes principais: a primeira é que existem países muito fortes na Unasul , como o Brasil e agora o Peru, que desponta com uma grande economia. E países que não são tão fortes economicamente. Não existe um mecanismo para que um país com menos força econômica possa impor algo ao país mais forte que a cumpra. Um exemplo muito importante: qual o maior poluidor hoje do rio da Prata? É o Paraná, u uma empresa do nosso estado. Como o Uruguai vai compelir o Brasil a indenizar ou parar de poluir? Não existe um mecanismo jurídico.

Com relação ao evento que o senhor está organizando, Direito Processual Civil nos Tribunais Superiores, como surgiu a iniciativa?

Nós queremos trabalhar isso juntamente com os assessores de juízes e desembargadores. É um momento importante, claro que o enfoque do evento é o processo nas cortes superiores, porque vêm novos mecanismo importantes para a uniformização da jurisprudência e de valor ao precedente. Grandes questões que envolvem o processo que chega ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) serão discutidas no evento. Ainda algumas questões polêmicas que sempre ocorrem no período de transição até que se consolide a jurisprudência.

Qual é a visão que o senhor tem sobre o novo Código de Processo Civil?

O CPC que tinha de vir agora totalmente eletrônico. Nós mantivemos um código para o processo escrito quando temos que partir para o processo eletrônico. Vou lhe dar um exemplo, quando você interpõe um recurso de agravo de instrumento tem de ser escrito no tribunal. Você tem que juntar toda a documentação indispensável para propor o recurso. Você tem de juntar a certidão, pois não transcorreu o prazo; não há trânsito em julgado. Se isso fosse feito do escritório do advogado por uma petição e distribuído eletronicamente pelo computador, já iria automaticamente para o relato. Em segundos, o relator estaria recebendo o processo e não teria que ler todas aquelas peças. Ele acessaria o processo eletrônico e já saberia que está lá a procuração das partes e que já ocorreu o trânsito em julgado. Mas essa mentalidade, infelizmente, não está inserida no novo CPC.

Seria necessário realmente elaborar um novo CPC ou bastaria reformar o antigo e esclarecer algumas coisas?

A questão era ter o CPC eletrônico e mudar os procedimentos. O recurso de agravo de instrumento teria de ser online. As grandes discussões, por exemplo, a sustentação oral num tribunal. É um princípio constitucional que a paridade de armas é o exercício da defesa do direito de cliente. A sustentação oral é substancial para isso. Você acha que um advogado de Nova Fátima vem até Curitiba num caso de acidente de trânsito para fazer a sustentação oral? Ou que um advogado de Foz do Iguaçu virá para fazer isso? Veja que a turma recursal é única Paraná. Uma casa de 20 salários mínimos tem importância, às vezes é a dignidade, a honra da pessoa, não o valor econômico. Isso é facilmente resolvido. Então, por que a sustentação oral não é feita eletronicamente? Por que o processo não tem o mesmo número desde a comarca de origem até o Supremo Tribunal Federal e é todo eletrônico? Hoje nós temos um arremedo de processos eletrônicos. Em nossa área nós usamos o computador meramente como uma máquina de escrever.

Recentemente, magistrados têm aparecido em evidência no país, algumas vezes como heróis, outras por posturas pouco éticas. Como o senhor encara o trabalho como juiz?

Tem que viver com responsabilidade, entender que o processo não é um maço de papel, mas que sempre tem seres humanos na outra ponta, que vão ser afetados pela sua discussão. O processo não é uma discussão de um emaranhado de leis, da academia. O cidadão não quer saber a sua cultura jurídica, ele quer saber se você vai resolver o problema dele de acordo com o que é justo.Um dia fiquei a manhã inteira trancado estudando e minha esposa perguntou o que eu estava fazendo. Eu fui explicar: o médico atrasou o horário de fazer o parto, a criança teve falta de oxigenação no cérebro e está na cadeira de rodas. Esse processo tem 18 anos. Eu sou a última esperança dela para ela ter fralda, ter medicação. Do outro lado, estou julgando a carreira de um médico que errou. Quando ele foi ser médico, não foi para errar, foi para ser uma pessoa honesta. Então, eu tenho que chegar o mais perto de uma decisão que seja justa, para tentar não destruir a carreira de um médico que não é uma má pessoa, mas que em um momento infeliz, tomou uma decisão infeliz e que teve uma consequência terrível.A responsabilidade do juiz é imensa, você pode estar destruindo a carreira de alguém, mas, ao mesmo tempo, tem a responsabilidade de resgatar a condições mínimas de uma pessoa sobreviver.

Colaborou: Victor Hugo Turezo
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