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Questão de relevo jurídico encerra o conceito de lei especial. Em uníssono, afirma-se que a lei comum, extravagante, ostenta qualidade de lei especial. Divirjo. Nem toda lei dessa classe é especial, e dou as razões recolhidas no texto constitucional magno.

Com efeito, a Constituição de 1988 adota três gêneros de lei: a complementar, a especial e a ordinária.

Lei complementar é aquela designada expressamente pela Constituição (ADI 789-STF), v.g.: art. 14, § 9º - inelegibilidade; art. 59, p. único - técnica legislativa; art. 165, § 9º - moldura à legislação de finanças públicas, cujo quórum deliberativo é o qualificado (art. 69), e está a salvo da medida provisória (art. 61, § 1º, III).

Lei especial é a que a Constituição confia à disciplina de matéria determinada, v.g. : art. 37, IX: lei estabelecerá casos de contração por tempo determinado; art. 37, XIX: somente por lei específica criam-se entes da administração indireta. Merece destaque, suscitado pelo vínculo com o tema aqui abordado, a alusão expressa às leis especiais, contida no art. 5º, XLIII: os crimes de tortura, de tráfico de drogas, os hediondos e o de terrorismo serão classificados como inafiançáveis e insuscetíveis de anistia quando esta espécie normativa disciplinar os respectivos delitos. Sua formação se dá pelo quórum comum (art. 47).

Segundo o clássico Pontes de Miranda, “A exigência de lex specialis é expediente de técnica legislativa, pelo qual o legislador constituinte, ou o legislador ordinário, que a si mesmo traça ou traça a outro corpo legislativo linhas de competência, subordinada a validade das regras jurídicas sobre determinada matéria à exigência de unidade formal e substancial (= de fundo). Determinada matéria, em virtude de tal exigência técnica, tem de ser tratada em toda sua inteireza e à parte das outras matérias. A lex specialis concentra e isola, liga e afasta, consolida e distingue. Tal concentração e tal isolamento implicam: (a) que toda regra jurídica, que deveria, para validamente se editar, constar de lex specialis, dessa não sendo parte, não é regra jurídica que se possa considerar feita de acordo com as regras jurídicas de competência; (b) que a derrogação ou abrogação da lex specialis tem de ser em lex specialis, porque exigir-se a lex specialis para a edição, e não se exigir para a derrogação ou ab-rogação seria contradição”. (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, Forense, 1987, Tomo I, p. 378).

Lei ordinária, por último, é aquela que o Congresso Nacional edita no exercício das competências genéricas, distribuídas por esfera disciplinar nos seus arts. 22 e 23, sendo de maioria simples seu quórum deliberativo (art. 47).

Convém salientar ainda que o fato de dispor sobre matéria única não confere à lei o caráter de lei especial, sobretudo após o advento da LC 95/1998, integrativa do art. 59 da CF/88, que traça diretrizes de técnica legislativa, entre as quais a de que cada lei deve tratar de objeto exclusivo (art. 7º, I).

Destarte, a lei ordinária não pode interferir na esfera privativa da lei especial nem na da lei complementar, e vice-versa, sob pena de invasão de atribuições, e, pois, de inconstitucionalidade.

Há, porém, no campo da doutrina e de certa jurisprudência, a configuração equivocada de algumas modalidades secundárias de lei. Esse exercício interpretativo, em verdade, tem significado meramente taxionômico, por isso mesmo desprovido de teor dogmático, pois as categorias variam segundo distintos critérios de apreciação. Assim, a lei pode ser classificada como geral ou especial, permanente ou temporária, abstrata ou de efeitos concretos, prescritiva ou autorizadora e assim por diante, mas sem daí decorrer qualquer modificação na eficácia jurídica.

Portanto, os crimes capitulados em leis extravagantes não adquirem trato diferenciado apenas porque inseridos no bojo de lei considerada como lei especial. Sucede que a lei penal será sempre lei comum, visto emergir da competência para legislar sobre direito penal, sem especificação do conteúdo, ex vi do art. 22, I, da CF/88.

Ilustra-se a tese com seguinte caso:

Embora lhe seja atribuído o status de lei especial, o DL 201/67 não o é, por todo o exposto, inclusive porque a Constituição nem sequer prevê lei com a finalidade de punir crimes praticados no exercício do mandato de prefeito. Sua recepção pela Constituição de 1988 o STF não a fundamentou, como devia, pendendo ainda sua dívida ativa face ao art. 93, IX.

O art. 37, § 4º, CF/88, prevê lei que dê forma e gradue as sanções aplicadas aos atos de improbidade administrativa: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário. Consequentemente, a esfera posta sob a regência da lei se restringe a moldar as sanções enunciadas e dar-lhes a devida graduação. Sem respeitar os limites da incumbência recebida, a decorrente Lei nº 8.429/92 ampliou a grade de punições (de índole penal).

Apesar disso, ela é tida por lei ordinária, sendo, porém, claramente especial. E juízes e tribunais aplicam as sanções contrabandeadas para o seu interior pelo legislador desobediente do limite de sua atribuição integrativa do preceito constitucional. Ora, quando excedeu o delimitado campo de regulação, o legislador descumpriu o postulado magno.

Entre os efeitos desta qualificação, inclui-se a incidência das regras gerais do Código Penal cujo art. 12 abrange os fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

Considere-se, também, ainda no âmbito do Direito Penal, a prevalência da lei especial sobre a lei ordinária, sob o pálio do princípio da especialidade.

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