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 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Nascido na Alemanha, criado no Rio de Janeiro, é ao Paraná que o jurista Felix Fischer declara sua gratidão tanto pela carreira, quanto pela vida pessoal. Ele atuou durante 23 anos no MP paranaense e constituiu família no estado. Daqui, Fischer foi para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi presidente da corte entre 2012 e 2014. Referência para os juristas paranaenses, principalmente para os integrantes do MP, o ministro foi homenageado durante o seminário “Estudos em Homenagem ao Ministro Felix Fischer”. Durante o evento, ele concedeu uma entrevista exclusiva ao Justiça & Direito, falou sobre sua experiência ao presidir o STJ, do atual momento do Brasil e do papel do MP e sobre sua trajetória pessoal.

Ficha Técnica
  • Currículo: bacharel em Ciências Econômicas (UFRJ); bacharel em Ciências Econômicas, (UFRJ); foi promotor substituto do MP-PR; foi procurador do MP-PR; ministro do STJ desde 1996; presidiu o STJ e o Conselho da Justiça Federal 2012 a 2014
  • Jurista que o inspira: Juarez Tavares
  • O que está lendo: Teoria do Crime Culposo, de Juarez Tavares
  • Nas horas vagas: gosta de ouvir música (clássica, ópera, jazz e chorinho)

O que o senhor ressaltaria no período em que esteve na presidência do STJ?

Em termos administrativos o período é relativamente curto, são somente dois anos. Então nós montamos uma equipe, mas projetos de longo prazo são complicados de desenvolver, pois não há como saber se a próxima gestão irá acompanhar o que se iniciou. Então, o que se procura fazer são as coisas mais importantes. Também não há motivo para fazer tantas alterações porque os tribunais já estão prontos e já se sabe o que irá acontecer. Enfim, a previsibilidade é grande. Os tribunais em Brasília são nacionais e têm muitos funcionários. É quase uma cidade. O STJ tem mais ou menos 3.500 funcionários, todos servidores da casa. Então sempre existem problemas setoriais e pontuais, talvez até em nível de colegas que têm problemas para resolver.

Hoje existem muitos recursos que chegam aos Tribunais Superiores e há diversos debates sobre isso. Deveriam existir alguns mecanismos para diminuir a quantidade de recursos que chegam?

Antes da constituição de 1988 não existia o STJ. O STJ é um desmembramento do antigo Supremo Tribunal Federal. O Supremo deveria ficar com a matéria constitucional e a matéria infraconstitucional seria do STJ. Mas antes de 1988 as duas coisas eram feitas pelo Supremo e, nessa época, ele tinha poderes. Então, no próprio regimento eles tinham o poder de restringir a competência de apreciação dos recursos. Em primeiro lugar, os tribunais superiores não são tribunais de apelação. Em regra geral, o Supremo vela pela constituição e também padroniza a jurisprudência em matéria de direito.

Mas hoje acaba ficando como uma terceira instância?

Não é uma terceira instância. O que acontece é que o volume de processos é muito grande. Mas não é função nossa ficar apreciando matéria de fato. Nem nossa, nem do Supremo, nem do STM. O que acontece é que há muitos recursos. Onde nós apreciamos matéria de fato é no indevidamente chamado foro privilegiado. Aí volta a ser como se fosse um tribunal comum ou uma vara. Mas nos demais recursos predomina só o exame de matéria de direito. No tempo em que o Supremo atuava sozinho o acesso era muito limitado. Examinavam matéria constitucional, divergências na súmula deles. Havia uma listagem dos tipos de processos que eles permitiam. Fora isso, só se houvesse o acolhimento da chamada arguição de relevância.

O senhor acha que seria necessário fazer isso hoje?

Acho que aquele era o sistema correto. No nosso caso, quer dizer, o Supremo teria que examinar todas as matérias constitucionais. A matéria infraconstitucional, como era na época deles, tinha que ser limitada pela arguição de relevância. Se não limitar vai crescendo o volume de processos, ocasionando uma ampliação do tribunal. E ampliando o tribunal, ele deixa de ser um tribunal de padronização, sendo que a função essencial do tribunal superior é padronizar.

Qual a opinião do senhor sobre as propostas de mudança no Código Penal?

Eu não me empolguei nem um pouco com esse projeto do Código Penal. Assisti uma vez o professor Miguel Reale Júnior e ele detonou completamente o [novo] Código. Parece que ele tem muita impropriedade. E mudar o código só porque ele tem 30 ou 40 anos não significa que seja necessário. Existem países que têm códigos mais antigos que funcionam bem.

Mas quais questões penais precisariam de ajustes mais pontuais?

Questões da criminalidade moderna, por exemplo. Mas para isso não é preciso fazer um código inteiro. Agora, pra fazer um código inteiro, como em Portugal e na Espanha, antes de remeterem ao legislativo, houve discussões, inclusive, internacionalmente. Os dois códigos tiveram intensas trocas de informações e discussões doutrinárias. A maioria de nós não tem a noção exata do alcance. Só se a pessoa foi designada para verificar ou teve curiosidade. Quando, na verdade, a questão deveria ser discutida amplamente.

Os agentes da justiça estão tendo mais destaque no Brasil. Como o senhor avalia o papel do MP hoje?

Nós vemos pelo noticiário, lamentavelmente, que importância das pessoas que ocupam esses cargos é extremamente necessária. Se não houvesse essa criminalidade cada vez mais sofisticada eles não seriam tão necessários. Fiz uma viagem para Canadá certa vez. O próprio cidadão canadense não sabia indicar a localização do tribunal. O índice de criminalidade por lá é baixíssimo. Na Islândia, fazia mais de dez anos que não havia um crime violento. Aqui não existe uma quadra em que não tenha um crime violento por semana. É bem diferente. Então, a importância da polícia, do MP e do Judiciário cresce muito. O governo tem enfrentar esses problemas também com uma constância maior. Há um problema sério de corrupção em nosso país.

E o atual momento, que vários casos estão ganhando destaque, tanto nacionais quanto estaduais. Qual é a visão do senhor? É só mais uma sucessão de fatos? Pode ocorrer de fato alguma mudança institucional?

Não pode haver caça às bruxas, pegar alguém só para satisfazer a sociedade. Mas não se pode ter pena se o fato estiver comprovado. Se ele estiver corretamente provado não pode deixar passar em branco.

Qual a importância do Paraná na sua carreira?

Foi vital em vários aspectos. Profissionalmente tudo o que aprendi foi aqui. Quando cheguei no tribunal, em Brasília eu já tinha uma formação completa como profissional do MP e como professor. Emocionalmente também, pois minha mulher é daqui. Então, devo tudo ao Paraná.

O senhor nasceu na Alemanha, mas veio para o Brasil ainda bem pequeno. Que in fluência cultural ficou da sua terra natal?

Nasci lá casualmente, meus pais vieram para cá, eu tinha mais ou menos um ano. Na época em que eles vieram, não tinha perspectiva nenhuma, a Alemanha estava arrasada e não tinham como sobreviver. Meu pai veio para cá, ficamos no Rio de Janeiro, onde me formei em Economia e Direito. Então, passei no concurso e fiquei 23 anos no MP do Paraná. Meus pais tinham certa dificuldade de falar português.Portanto, quando chegava em casa, falava alemão com eles. Mas há 11 anos não falo com ninguém, pois minha mãe morreu. Então não tenho contato com ninguém. Falei com o embaixador austríaco em um cerimônia, mas já senti um certo ferrugem. Influência logicamente tem, a parte cultural, tenho orgulho de meus pais serem de lá. Mas me sinto brasileiro e particularmente paranaense.

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