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Livro da semana – “O visconde partido ao meio”
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Reprodução/Internet
Italo Calvino.

Pela primeira vez na vida, estou participando de um clube do livro. Sim, daquele tipo em que todo mundo lê a mesma coisa e depois se junta para conversar. E, adivinha só: é divertido!

Nosso primeiro livro, escolhido pelo Franco Iacomini, foi “O visconde partido ao meio”, do Italo Calvino. Nunca tinha lido nada dele, e achei bem curioso.

O livro se filia nitidamente à corrente do romance filosófico, do tipo que Voltaire e Swift faziam como ninguém. Só que escrito no século 20, com um estilo necessariamente diferente.

A ideia desse tipo de livro é sempre partir de uma metáfora para mostrar algo sobre a realidade humana. É um realismo às avessas. Normalmente, os fatos são inverossímeis: gigantes e minipessoas entram em cena, como no Gulliver; ou um anjo aparece na história, como no Zadig.

Mas, no fundo, o que se quer é mostrar algo muito real sobre as pessoas. Totalmente crível. Mais ou menos como no “Brás Cubas”, de Machado de Assis. É um livro realista não pelo enredo: afinal, é narrado por um morto. Mas porque nega as fantasias sobre o ser humano típicas de seus antecessores.

No caso de Calvino, a metáfora é bem clara, até óbvia. O tal visconde, num passado distante, vai à guerra. É um sujeito comum, que nunca viu nada parecido com um conflito armado. E, logo de início, é atingido por uma bala de canhão.

Ele é partido em dois, mas não morre. Volta para o vilarejo, mas em metades. Primeiro aparece a metade direita, cortadinha de cima a baixo. E descobre-se que é uma metade má.

O visconde passa a agir com crueldade, mata pessoas por nada, só para se divertir, divide animais ao meio. Só pensa em si e em como fazer coisas terríveis para os outros.

Depois, aparece a metade esquerda, a metade boa (Calvino era esquerdista: será que esse é o motivo?). E é um sujeito que quer o bem de todos, mas que exagera na dose. Acaba virando um chato desconectado da realidade.

No final da história, os dois se apaixonam pela mesma mulher. O visconde “mau” pensa que até seria bom se Pamela se casasse com a outra metade. Como são a mesma pessoa, bastaria ele se livrar da metade boa e ficar com ela, já de papel passado.

Num duelo entre os dois, porém, eles acabam se ferindo bem na cicatriz, que reabre. E um médico costura as duas metades. Quando reatado, o visconde volta a ser alguém “normal”.

A metáfora parece ser a de que, confrontado com a violência e imperfeição do mundo (a guerra), o visconde perde o rumo que tinha. Primeiro, assume sua metade má: quer vingança e participa da crueldade do mundo. Já que nada faz sentido, para que ser bom.

Depois, ressurge sua esperança de que algo faça sentido. Mas ela, por si só, é ingênua e ineficaz. E só quando se junta toda a experiência e se leva tudo em conta (a costura) é possível enfrentar a vida como ela é e mesmo assim ir em frente.

O livro é muito bem construído em torno dessa ideia. É inteligente e divertido. Um belo começo para o nosso clube!

Serviço: “O visconde partido ao meio”, de Italo Calvino. Tradução de Nilson Moulin. Companhia das Letras. 104 páginas. R$ 16.

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