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Vestibular da UFPR: quais os limites da isonomia?
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Segundo o Dicionário Jurídico, Isonomia “significa igualdade de todos perante a lei. Refere-se ao princípio da igualdade previsto no art. 5º, “caput”, da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Assim, de acordo com tal princípio, os méritos iguais devem ser tratados de modo igual, e as situações desiguais, desigualmente, já que não deve haver distinção de classe, grau ou poder econômico entre os homens.”

Esse princípio muito importante é o fundamento do sistema de cotas nas universidades públicas brasileiras. O que se pretende é compensar as desigualdades de oportunidades históricas na hora de ocupar uma vaga em um curso superior, dirimindo assim as vantagens construídas por jovens que estudaram em escolas particulares e cursos preparatórios, sem precisar trabalhar e com um universo cultural oferecido pelas famílias com amplas condições econômicas frente aos jovens sem essas mesmas condições.

Nada me parece mais adequado e correto. No entanto, uma pergunta subsiste: qual o limite dessa compensação?

É preciso considerar outro aspecto fundamental no processo de seleção de jovens para o ingresso no ensino superior: a finalidade de existir a prova de seleção. Não se trata apenas de classificar uns em detrimento de outros por causa do menor número de vagas ofertadas em relação aos pretendentes. Trata-se de verificar as condições mínimas que um jovem deve possuir para ingressar nesse curso. Condições mínimas em relação ao domínio das competências sem as quais o acompanhamento das aulas e a solidez da formação ficam comprometidas. Aliás – pelo menos eu imagino – essa verificação é que deve pautar a elaboração das questões que compõem as provas de seleção. Um aluno precisa de um desempenho mínimo em matemática e física, por exemplo, para pleitear uma vaga em um curso de engenharia civil, além, é óbvio de um mínimo de leitura e compreensão da história e geografia do país no qual vai atuar como profissional. Parece óbvio. Sem esse mínimo, o trabalho dos professores da Universidade fica muito prejudicado. Daí a avaliação e daí a seleção.

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Voltando às cotas: evidentemente que algum tipo de compensação deve nortear esse processo de seleção para garantir a isonomia mas, em hipótese nenhuma, essa compensação pode por em risco as condições mínimas sem as quais o ingresso na Universidade Pública deixa de ser uma seleção por competência e passa a ser apenas uma política de compensação. As duas condições devem estar presentes para garantir a lisura e o propósito do que determina a Constituição e, ao mesmo tempo, a natureza mesma da Universidade. Um jovem negro e/ou pobre deve ser beneficiado mas deve, minimamente, oferecer sinais de competência para o curso que escolheu.

O resultado da primeira fase da UFPR fere, explicitamente, essa condição. Pela primeira vez a Universidade resolveu estabelecer a separação dos candidatos por cotas raciais e de renda já na primeira fase que é aquela que seleciona as condições gerais de acesso do jovem ao curso escolhido, condições que precisam estar presentes minimamente sem o que o acompanhamento do curso superior fica comprometido. Aliás, insisto: ou esse raciocínio é válido – supondo que os professores da UFPR elaborem as questões da primeira fase com esse propósito – ou a seleção não tem propósito nenhum e é uma farsa alimentada com recursos públicos. Ou seja, é um crime.

Como não acredito, em absoluto, nisso, reafirmo: a primeira fase do vestibular da UFPR é a avaliação que busca saber as condições mínimas para que um jovem seja considerado apto a frequentar um curso superior da UFPR. Aferida essa condição, com o acerto de um percentual minimamente razoável – 50% ou 60% parecem, pela tradição das avaliações que se praticam em todas as escolas, um parâmetro bastante confiável – o jovem ainda realiza provas especificas e as redações e então é divulgada uma lista com os selecionados. Estes, na ótica da UFPR, são os jovens capacitados – já descontadas as diferenças sociais e históricas no processo de formação desses jovens – para frequentar essa extraordinária instituição.

Vou destacar três resultados. Medicina: enquanto os alunos do sistema de cotas precisaram acertar 30 questões de 80 ( 37,5%) para serem considerados aptos para a segunda fase, os alunos da chamada “concorrência ampla” precisaram acertar 64 questões de 80 (80%). Direito diurno: enquanto os alunos que se inscreveram no sistema de cotas precisaram acertar 16 das 80 ( 20%!) os alunos da concorrência ampla precisaram acertar 52 (65%!). Engenharia Civil: os alunos que se inscreveram no sistema de cotas precisaram acertar 12 das 80 (15%!) e os da ampla concorrência 49 (61,25%).

Não tenho dúvida que o sistema de cotas é uma política que trouxe resultados importantes para democratizar o acesso ao ensino superior nas universidades públicas brasileiras. Mas é preciso garantir o mínimo de coerência do próprio processo de seleção ou então dizer, claramente, que não se trata de um processo de seleção baseado em competências mínimas para cursar o ensino superior mas um critério para escolher jovens por razões sociais ou raciais. Neste caso, a distorção feriria o princípio da isonomia que é o de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual para obter um resultado de igualdade entre todos, descontadas as diferenças sociais e históricas.

Refletir sobre isso, urgentemente, é fundamental. Para garantir a permanência do caráter democrático das políticas afirmativas e não para torna-las fonte de incompreensão, ressentimento e de processos judiciais.

 

 

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