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Estádio Al Bayt, na cidade de Al Khor, no Catar, uma das sedes da Copa de 2022
Estádio Al Bayt, na cidade de Al Khor, no Catar, uma das sedes da Copa de 2022| Foto: Divulgação/Fifa

Neste domingo, dia 20, teremos a abertura da Copa do Mundo de futebol de 2022, em Al Khor, no Catar. Deixando de lado a convocação da seleção brasileira, as expectativas do torcedor e os possíveis bons jogos que teremos nos próximos dias, juntos dos não tão bons, é importante falarmos do que o Catar pretende ao sediar a Copa do Mundo. No dia 19 de dezembro, daqui um mês, após a final do torneio, qual será a imagem que o mundo terá do país peninsular árabe?

Oficialmente, o Catar possui uma constituição aprovada via referendo em 2003. Na prática, entretanto, o país é uma monarquia absolutista, praticamente uma propriedade privada da família al-Thani, que governa a península desde 1868. Um exemplo de como o país é governado absoluta pode ser visto no parlamento do país, o Conselho Consultivo. O nome já deixa claro, ele serve apenas para aconselhar o governo, sem poderes na prática. Em teoria, ele pode questionar as decisões do primeiro-ministro, não as do emir, o soberano.

O primeiro-ministro é nomeado pelo emir, que também nomeia um terço do Conselho. Para que o órgão possa censurar o chefe dos ministros, é necessária a concordância de dois terços do Conselho. Ou seja, as instituições políticas “independentes” são, na prática, todas nomeadas e controladas pelo monarca. Não há judiciário independente, castigos corporais são penas legais e o abandono do Islã e a homossexualidade são crimes capitais, embora o país tenha uma moratória na pena de morte.

A tentativa de converter alguém para outra religião que não o Islã pode significar uma pena de até dez anos de prisão. Importante lembrar que diversos países da região possuem características muito similares, alguns sem sequer considerar manterem aparências de maior representatividade política, como é o caso da Arábia Saudita, também uma monarquia absolutista. Ao contrário do país saudita, inclusive, no Catar são autorizados templos de outras religiões, como igrejas cristãs.

Integração econômica

No mundo pós-Guerra Fria, ocorreram dois fenômenos simultâneos, começando na década de 1990. Primeiro, uma maior projeção dos países da península arábica no cenário mundial. As antigas amarras da Guerra Fria não mais existiam, o que se somou às inovações tecnológicas que começaram nesse período. Maiores laços econômicos, maior fluxo de investimentos e mais turismo. A ideia de que o Irã seria o maior antagonista dos EUA na região também favorece essa maior aproximação, na construção de alianças e parcerias.

Um evento importante desse processo é a Guerra do Golfo, em 1991. Claro que esse é um breve resumo. As relações entre sauditas e os EUA, por exemplo, remetem à década de 1930, centradas no fornecimento de petróleo. O que ocorre na década de 1990 é uma ampliação e um aprofundamento de relações já existentes. Alguns leitores talvez se lembrem, por exemplo, da primeira vez que ouviram falar de empresas aéreas de países da região, ou que ouviram em Doha ou Abu Dhabi como destinos turísticos.

No caso do Catar, a década de 1990 é marcada também pelo fato de que o papel do país na economia mundial mudou radicalmente. A exploração de petróleo no pequeno país começou em 1949 e, embora o Catar tenha uma notável indústria petrolífera, ela não chega aos pés dos principais atores mundiais do setor, como os vizinhos sauditas, os EUA ou a Rússia. Em 1997, entretanto, o Catar, pela primeira vez, exportou gás natural liquefeito. É nesse setor que o Catar é um dos atores mais peso-pesados do mundo.

O Catar possui a terceira maior reserva de gás natural do mundo, com 14% de todo o gás natural conhecido. É também o terceiro maior exportador de gás natural, com uma carta variada de compradores. Nos últimos meses, o país foi destino de diversas visitas de líderes europeus, buscando diminuir a dependência europeia do gás natural russo. Nesses últimos 25 anos, o dinheiro do gás tornou o Catar um influente e importante ator regional, com influência global em questões econômicas e também na política de seus vizinhos.

Direitos Humanos

Outro fenômeno começou na década de 1990, entretanto. Uma maior pressão internacional em questões de Direitos Humanos. A pauta, antes, ficava condicionada ao cenário da Guerra Fria. O autoritarismo era “tolerável” em nome de combater o outro lado. O raciocínio que sustentou as ditaduras militares latino-americanas, por exemplo. O pós-Guerra Fria, os genocídios na Bósnia-Herzegovina e em Ruanda, dentre outros eventos, deram impulso às cobranças por respeito aos Direitos Humanos na comunidade internacional.

Uma das expressões desse fenômeno é o fato de governos serem muitas vezes cobrados pela contradição de cobrarem e defenderem pautas de Direitos Humanos enquanto mantém fortes relações com essas monarquias da península arábica. Muitas vezes tais cobranças foram inócuas em consequências práticas, mas elas impactaram os governos árabes citados. É o início de uma série de políticas voltadas para tornar os países mais “palatáveis” aos olhos estrangeiros.

Dá-lhe investimento pesado em comunicação, em propaganda, em turismo, construção de prédios luxuosos, tudo isso para mudar a imagem desses governos. E uma das maneiras mais eficazes de se fazer isso é com o uso do esporte como vitrine e veículo de propaganda. Torneios internacionais de futebol, clubes locais contratando jogadores de renome, corridas de automobilismo, dois dos maiores jogadores de tênis da História jogando em uma quadra nas alturas em Dubai, vale tudo.

Melhoria de imagem

Em inglês, isso é chamado de sportwashing, lavar a imagem pelo esporte. No caso do Catar, em dezembro de 2010, o país “conquistou” o direito de sediar a Copa do Mundo. As aspas se dão pelas diversas suspeitas e denúncias sobre eventuais atos de corrupção no processo de escolha. No ano seguinte, via a empresa Qatar Sports Investments, parte do fundo soberano do país, o governo al-Thani comprou o clube francês Paris Saint-Germain. Neymar e Messi são dos funcionários públicos mais bem pagos do mundo.

Com os bilhões de dólares colocados no torneio, a ideia dos al-Thani é que, ao final do ano, a imagem global do país seja positiva. O país não é o primeiro e nem será o último a usar o esporte como uma ferramenta de propaganda, mas é o que mais possui potencial para ser um divisor de águas, devido às características do país e do torneio. Por exemplo, os fatos de que os estádios comportam mais de 10% da diminuta população nacional e que parte da comunidade internacional está aceitando deixar de lado as bandeiras de direitos humanos.

Caso o Catar tenha sucesso em sua operação de melhorar sua imagem, o recado estará dado para outros países que possuam meios de emular o que o Catar está fazendo nos últimos quinze anos. Se, depois do torneio, as “preocupações” com, por exemplo, as condições dos trabalhadores no país simplesmente sumirem, terá sido uma grande vitória da dinastia al-Thani. Infelizmente, a História recente não permite pensar que será algo diferente disso. Resta torcer, e não só pelo desempenho dentro do campo.

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