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Detalhe de “A negação de Pedro”, de Ary Scheffer.
Detalhe de “A negação de Pedro”, de Ary Scheffer.| Foto: Reprodução/Domínio público

Naquela sexta-feira não havia Concílio Vaticano II, tampouco o primeiro, nem os antecedentes. Não havia dogma da infalibilidade papal, nem poder temporal dos papas, muito menos Estados Pontifícios. Aliás, nem papa havia, não com esse nome, salvo o de Pedro, que nem sequer entendia direito o que estava acontecendo naquela que foi e é a maior sexta-feira de todos os tempos.

Naquela sexta não existiam João Paulo II, Josemaria Escrivá e São Padre Pio. As Teresas ainda não havia, nem Joana D’Arc, Catarina de Sena e Clara de Assis. João Bosco, Afonso de Ligório, Domingos e Bento não havia. Muito menos Tomás de Aquino, Francisco de Assis e Agostinho. Ainda não havia Paulo, nem Saulo.

Naquela sexta ainda não havia iluminismo, maçonaria, liberalismo, nacionalismo, positivismo, os socialismos todos, comunismo, anarquismo, nem capitalismo. Não havia heresias, reformas, protestantes ou evangélicos; e os cristãos que havia, poucos, nem sequer tinham esse nome também.

A mim é perfeitamente compreensível que Pedro tenha negado naquele momento; duvido que eu fizesse diferente, se é que estaria lá, aliás, e não fugido quando os soldados apareceram para prender Jesus

Naquela sexta os homens de lá não haviam descoberto as Américas ainda. Não conheciam a escolástica, porque nem Idade Média havia acontecido, nem Patrística havia, imagine… Não havia cisma nenhum também, nem do Oriente ou de outro lugar. Não existia Carlos Magno, muito menos Maomé. Os bárbaros, do nosso ponto de vista, ainda não tinham invadido a Europa.

Havia o Império Romano, mas não ainda a Igreja das catacumbas, tampouco as perseguições, salvo uma, do chamado Jesus, filho de Maria e José, que se iniciou na noite de ontem, depois da Última Ceia que seria a primeira missa e da oração no Getsêmani, quando os soldados chegaram e o levaram preso para a casa do sumo sacerdote.

Naquela noite, Pedro seguiu à distância os soldados arrastando Jesus. Entrou no pátio da casa, deixando-se ficar entre os servos e guardas, que acenderam um fogo para se aquecer. Testemunhou, de longe, a pergunta do sacerdote se Jesus seria filho de Deus. Ao “sim” da resposta, escutou o rasgar das vestes, a indignação coletiva, a condenação à morte. De repente, alguém lhe perguntou: “Não és acaso também tu dos discípulos desse homem?”

Fico a imaginar o susto de Pedro, o medo. A mim é perfeitamente compreensível que tenha negado naquele momento; duvido que eu fizesse diferente, se é que estaria lá, aliás, e não fugido quando os soldados apareceram, indo para um lugar muito, muito distante dali. Mas naquela noite que se tornou dia, naquela sexta, Pedro ficou, assistiu e fraquejou pela última vez.

Segundo Lucas, na terceira negativa, Jesus voltou seu olhar para Pedro, que imediatamente se lembrou da profecia de que antes do galo cantar três vezes… Eis o momento em que o medo de Pedro se tornou desespero: “Saiu dali e chorou amargamente”.

Paremos aqui por alguns instantes e imaginemos o desespero de Pedro. É só depois da ressurreição que Jesus dirá, conforme consta do Evangelho de São João, que os discípulos teriam o poder de perdoar os pecados. Mas naquela hora só poderia perdoá-lo Aquele que profetizara sua negação, Aquele que estava prestes a ser crucificado. Imagine o que foi aquela sexta para Pedro…

Naquela sexta Pedro viveu seu Getsêmani particular, suando sangue, e sabemos que Deus o confortou na hora de sua maior aflição, pois cá estamos hoje, nesta outra sexta que é também a mesma, quase 2 mil anos depois

Na Sexta-Feira Santa não se celebra a missa. Os altares estão vazios, sem mantel, sem velas nem adornos. As imagens e esculturas estão cobertas de pano roxo. Não há canto, não há música, só silêncio e meditação. Sem Eucaristia, até quem está em estado de graça experimenta o dia como se estivesse em pecado mortal, como se fosse Pedro negando Jesus, como quem O condenou à morte, clamando: “Crucifica-o!”

Hoje é dia de comungar do choro amargo de Pedro, mas também de (re)descobrir que o melhor conforto é o que vem da (c)oração. Porque naquela sexta Pedro viveu seu Getsêmani particular, suando sangue, e sabemos que Deus o confortou na hora de sua maior aflição, pois cá estamos hoje, nesta outra sexta que é também a mesma, quase 2 mil anos depois, continuando a ser apascentados pelo pastor, tentando orar e vigiar junto com Ele, ainda que falhando miseravelmente, ainda que não saibamos o que estamos fazendo.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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