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O então presidente da República Jânio Quadros em foto de junho de 1961.
O então presidente da República Jânio Quadros em foto de junho de 1961.| Foto: Arquivo Nacional/Domínio público

“Onde estão os inimigos? O povo não gosta de amar. O povo gosta de odiar.” Foi assim que o presidente Jânio Quadros dirigiu-se enfático a Roberto Campos quando este entregou ao presidente o texto sugerido para a entrevista de Jânio sobre a reforma cambial.

Corria o mês de março de 1961 e Jânio, havia três meses na Presidência, daria entrevista sobre um assunto sempre espinhoso da economia brasileira: a política do governo sobre o problema do dólar, a reforma cambial e a desvalorização do cruzeiro, pois a taxa de câmbio estava defasada.

Jânio rabiscou algumas notas no texto e, na entrevista, não anunciou a desvalorização do cruzeiro e disparou xingamentos ao FMI e aos trustes internacionais. Era um discurso baseado na crença de que o povo gosta de odiar e de culpar os outros por nossos problemas.

Os políticos gostam de eleger inimigos externos a quem culpar pelas mazelas do governo e do país

Os políticos gostam de eleger inimigos externos a quem culpar pelas mazelas do governo e do país. No tempo de Getúlio Vargas, o inimigo era a remessa de lucros (o envio de parte dos lucros das empresas multinacionais para suas matrizes), coisa que governo e políticos de esquerda diziam ser a causa da pobreza brasileira.

Juscelino Kubitschek, poucos anos depois, também fabricou seu inimigo externo, como forma de desviar a atenção sobre a corrupção e emissão de moeda para pagar a construção de Brasília. O inimigo eleito por Juscelino foi o Fundo Monetário Internacional (FMI), acusando-o de culpado pelos problemas econômicos brasileiros. Com esse discurso, Juscelino se recusou a corrigir a errante política cambial e o país correu o risco de ficar sem o dinheiro do FMI e ter de reduzir a importação de petróleo, trigo e outros alimentos.

Nos anos 1970, o inimigo eram as empresas multinacionais, que políticos radicais queriam expulsar do país. Era um atitude esquizofrênica, pois o que mais o Brasil necessitava era de abrir a economia e atrair investimentos estrangeiros. Ao comércio exterior seguem-se os investimentos, e aos investimentos segue-se a transferência de tecnologia.

Severo Gomes, ministro da Indústria e Comércio de 1974 a 1977, depois senador, elegeu a informática estrangeira como inimiga da pátria e se aliou a militares nacionalistas e empresários oportunistas para aprovar a malfadada lei de reserva de mercado para a informática, que vigeu de 1974 a 1990 e retardou por 20 anos a inserção do Brasil no mundo dos computadores e do chip eletrônico.

Nos anos 1980, o inimigo passou a ser a dívida externa, que houvera crescido principalmente em razão de empréstimos internacionais para bancar a importação de petróleo, cujos preços haviam explodido nas crises de 1974 e 1979. Enquanto o país rejeitava investimentos, o governo corria o mundo mendigando empréstimos para, na sequência, gritar contra a dívida e contra os juros.

Nos anos 1970, o inimigo eram as empresas multinacionais, que políticos radicais queriam expulsar do país. Era um atitude esquizofrênica, pois o que mais o Brasil necessitava era de abrir a economia e atrair investimentos estrangeiros

O FMI sempre esteve presente como um inimigo a ser xingado. O fundo é um clube cujos membros são quase todos os países do mundo (apenas quatro países estão fora do fundo). Os membros colocam dinheiro no FMI, e este empresta aos países com déficits nas contas externas para ajudá-los a manter importações vitais para sua economia.

Quanto à ideia de que o povo gosta de odiar e tem a mania de culpar os outros por nossos problemas, a coisa faz sentido. As revoluções são sempre baseadas na construção de inimigos internos ou externos, reais ou imaginários. Os líderes políticos e os governantes em geral, quando perdem popularidade, inventam algum inimigo.

As revoluções são sempre baseadas na construção de inimigos internos ou externos, reais ou imaginários

Eu fui presidente de uma grande empresa no Paraguai e certo dia, num almoço com o presidente da República, Andréz Rodrigues, que era um político afável e simpático, perguntei se ele via chance de reconciliação entre Cuba e Estados Unidos. Embora contido em suas declarações públicas, ele respondeu: “Senhor Martins, essa reconciliação nunca ocorrerá, pois a inimizade com os Estados Unidos é vital para a manutenção da ditadura; se a inimizade acabar, o regime cubano acaba”.

Trazida para o plano pessoal, essa tese de que o povo tem necessidade de odiar e inclinação para culpar os outros por seus problemas, certa ou errada, merece reflexão, até para avaliar nossa própria tendência a praticá-la.

Encerro lembrando o filósofo Jean Paul Sartre: “O inferno são os outros”, dizia ele. Já Shakespeare, na peça Hamlet, afirmou: “Está em nós mesmos, meu caro Brutus, e não nas estrelas, a causa de nossas desgraças”. Pense nisso!

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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