• Carregando...
Apresentação da Análise de Conjuntura Eclesial, durante a 61.ª Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida.
Apresentação da Análise de Conjuntura Eclesial, durante a 61.ª Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida.| Foto: Victória Holzbach/CNBB

Algumas coisas realmente não mudam. Os bispos estão reunidos mais uma vez em Aparecida para a assembleia geral da CNBB, e já receberam as análises de conjuntura eclesial e social. Consigo até imaginar alguns bons bispos revirando os olhos igual ao Tony Stark do meme ao ler a Análise de Conjuntura Social deste ano, que tem quase duas vezes e meia o tamanho da divulgada no ano passado; seus autores – que incluem um bispo, um padre assessor da CNBB e vários professores universitários e especialistas – certamente não fazem um exame de consciência que eu conheci anos atrás e que, entre as perguntas, tem um “fiz perder o tempo aos outros?”

Essa análise é coisa de gente que não entende de economia, como se pode ver no trecho sobre a inflação e os juros, em que os autores demonstram não entender o efeito de um governo gastador como o nosso (cujo descontrole fiscal não mereceu uma única palavra), nem como os juros altos em países desenvolvidos influenciam o câmbio (e, consequentemente, a inflação) nos países emergentes. É coisa de gente que tem a bússola moral completamente torta em relação à política internacional, tratando a “Comunidade Europeia” (que já não se chama assim desde 1993) e a Otan como os promotores de uma nova corrida armamentista, como se os europeus não estivessem tendo de lidar com um ditador imperialista bem ao lado – Vladimir Putin, aliás, também é poupado de quaisquer críticas, enquanto a Venezuela é apenas um país que tem “instabilidade política e macroeconômica”, que realizará um processo eleitoral “com muitas controvérsias” e “expectativa de uma eleição enviesada”. Expectativa? Só isso?

É coisa de quem só vê defeitos nos outros, afirmando que apenas os conservadores e a direit... extrema direita (insira aqui o meme do Tony Stark de novo) instrumentalizam a religião para propósitos políticos. Sobrou até para o coitado do padre José Eduardo, que entrou na Operação Tempus Veritatis como Pilatos no Credo e é mencionado na análise em um trecho cheio de indiretas maliciosas. É coisa de gente que provavelmente fez o L com muito gosto, a ponto de tentar todo tipo de malabarismo retórico para limpar a barra do governo. O texto diz que a defesa da vida desde a concepção até seu declínio natural é “tema fundamental”, mas que “ainda não está totalmente definida esta questão no governo”. Como assim, Deus pai de misericórdia? Se tem uma coisa definidíssima neste governo é o seu abortismo. Os autores dizem que Lula faz muito pouco, mas a culpa é do Congresso (que tem “viés conservador”, o texto faz questão de lembrar). O máximo que os autores da análise se permitem é dizer que Lula 3 é marcado por “poucas conquistas”, “muita desorganização e disfuncionalidade”, e que não tem “um projeto para o país” – o que não é verdade; Lula tem um projeto, mas não é nada bom: aparelhamento total do Estado e vingança contra todos os que atrapalharam seu projeto de poder no passado.

A Análise de Conjuntura Social é coisa de gente que provavelmente fez o L com muito gosto, a ponto de tentar todo tipo de malabarismo retórico para limpar a barra do governo

O alinhamento automático de Lula com a Rússia, com a Venezuela, com a Nicarágua, com Cuba, com o Irã e com outros ditadores mundo afora? O ataque constante do Supremo Tribunal Federal às garantias democráticas, ao devido processo legal, à ampla defesa e à liberdade de expressão? O desmonte da Lava Jato e do combate à corrupção? Nada. Em 112 páginas, absolutamente nada sobre isso. Em resumo, esse texto de uma equipe católica não fica devendo em nada a qualquer coisa saída da Fundação Perseu Abramo. Talvez nem se eu pedisse ao ChatGPT para produzir um texto analisando o mundo pelo olhar da esquerda viesse algo parecido com o que esse grupo produziu.

E o fim ainda tem uma ameaça. “Nesses anos de contribuição à conjuntura, após as exposições e os diálogos, algumas perguntas estão cheias de pessimismo. Perguntam: ‘não é melhor desistir?’ Na resposta a tão inquietante indagação, estamos com São Paulo, na sua argumentação que está na carta aos Gálatas: ‘de jeito nenhum!’”. Pelo jeito, estamos condenados a ter de aguentar essas análises enviesadas por muito mais tempo...

Análise de Conjuntura Eclesial tem novos autores e documento é promisssor

A novidade ficou por conta da Análise de Conjuntura Eclesial, que agora está a cargo do Instituto Nacional de Pastoral (Inapaz), e o primeiro documento desse ciclo está bem diferente daquele absurdo entregue aos bispos no ano passado e que era tremendamente preconceituoso com os conservadores e até mesmo com novas comunidades que não têm esse perfil, mas que também não compram o discurso da esquerda aplicado à religião.

O texto é mais um diagnóstico sobre como a transformação geral da sociedade, mais secularizada e individualizada, afeta a Igreja e a maneira como as pessoas vivem sua experiência religiosa, às vezes escolhendo uma fé não porque seja verdadeira, mas porque atende a suas expectativas (“a adesão é feita desde que os conteúdos e as regulações estejam de acordo com o que se espera, com as causas e os sonhos pré-estabelecidos”). Os autores apontam “o encolhimento da relevância ético-existencial da Igreja, de sua incidência na vida cotidiana, nos mais diversos níveis. Trata-se não apenas de uma questão numérica, ou seja, do número de católicos em proporção à população total, mas da participação dos valores cristãos no ethos brasileiro”. E afirmam que a ação evangelizadora precisa saber lidar com esse contexto.

A grande diferença é que os autores reconhecem o valor daquilo que os autores da análise do ano passado desprezavam: “as opções evangelizadoras usuais no Brasil possuem, ao mesmo tempo, valores e limites. A pastoral de conservação possui a clareza doutrinária, o destaque à moral e aos sacramentos. A pastoral de perfil socializante possui o inegável valor da solidariedade, sem o qual a vivência do Evangelho perde a sua identidade. A proposta pastoral mais voltada à piedade popular possui o valor de chegar aos corações, aos sentimentos, falando uma linguagem que os discursos metafísicos ou socializantes não conseguem emitir” – comparem essa última parte com o pedido de 2023 para que a piedade popular fosse “vigiada”. Os autores apontam possíveis problemas e riscos também; no caso da “pastoral de conservação”, por exemplo, ressaltam que o encontro com Cristo e com a Igreja já não pode ser dado como certo, e dão como exemplo a quantidade de crianças que chegam zeradas à catequese.

Pode até ser que essa análise ainda esteja distante do ideal, mas convenhamos, quando se denuncia “o uso da religião para interesses outros que não o da salvação das pessoas” (destaque meu) e se diz que essa “ideologização da fé (...) pode ocorrer de diversas formas e com diversos conteúdos” – ou seja, não apenas à direita como a análise social quer nos fazer acreditar –, parece-me que estamos começando a trilhar o caminho certo. Quando se reconhece que “somos, por certo, diferentes, temos opções e estilos distintos de ser e de concretizar a ação evangelizadora”, já estamos bem longe daquela mentalidade que nega carta de cidadania a tradicionalistas, conservadores e outros que certas alas do episcopado consideram ser “inimigos da Igreja”. Vamos ver até onde isso irá nos levar, mas este início é promissor.

Nota de comissões da CNBB defendendo CFM é breve, mas certeira

As análises de conjuntura não refletem a opinião institucional da CNBB, nem da coletividade dos bispos. Já as notas, aí é outro papo. E as comissões de Vida e Família e de Bioética da conferência capricharam na nota em que defendem o Conselho Federal de Medicina no caso da resolução que proíbe a assistolia fetal em bebês com 22 semanas ou mais de gestação. O CFM tem apanhado de todo lado, da ala militante do Ministério Público, da Justiça, dos partidos de esquerda, e de quase toda a grande imprensa, que dedicou editoriais para desqualificar os médicos – a única exceção, você sabe, é a Gazeta do Povo.

Destaco as escolhas felizes de palavras na nota, como “procedimento desumano” para descrever a assistolia fetal (uma injeção de produtos químicos no coração do feto para fazer seu coração parar). E quem está por dentro do debate certamente notou que os bispos falaram de “casos em que a lei civil não pune a prática do aborto” (destaque meu), a interpretação perfeita do artigo 128 do Código Penal, ainda que muitos insistam na lorota do “aborto legal” como se ele fosse permitido por lei – para quem quiser uma explicação boa, com exemplos de casos em que a lei diz que algo não é crime e casos em que a lei diz que algo segue sendo crime, mas sem punição, recomendo este editorial da Gazeta.

É sempre bom ver uma manifestação pública da CNBB em defesa da vida. A conferência é uma voz respeitada e tudo o que ela faz tem repercussão nacional

Semanas atrás, falei que é importante ter a prudência de escolher quando é melhor agir publicamente e quando agir nos bastidores. Mas é sempre bom ver uma manifestação pública da CNBB em defesa da vida. A conferência é uma voz respeitada e tudo o que ela faz tem repercussão nacional; sinceramente torço para ver novas notas desse tipo sempre que a situação exigir.

Coluna em férias; voltamos dia 14 de maio

O colunista está saindo de férias, e não teremos texto nas próximas três semanas; estaremos de volta no dia 14 de maio.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]