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A cultura “woke” e o mito da Grécia gay
| Foto: wikimedia commons

No primeiríssimo episódio da esperada série da Netflix Alexandre: O Nascimento de Um Deus, já vemos um recado sendo dado na nossa cara (e por historiadores, diga-se de passagem): "Alexandre era gay/bi e isso era a coisa mais normal na Grécia antiga." Só tem um problema nesse argumento: ele é uma besteira total.

A quem respeita uma coisa chamada "História" (como é o meu caso, e tenho certeza que é o do estimado leitor também), informo que precisei fazer um vídeo no meu canal Brasão de Armas problematizando essa generalização simplista flagrante do que foram as sociedades mais complexas do história da humanidade. Felizmente o vídeo foi um sucesso: parecia que o público estava precisando daquilo. E, se o leitor me permite, gostaria de compartilhar brevemente meus estudos aqui.

Vamos começar pelo começo: essa discussão sobre a homossexualismo ser um padrão na Grécia antiga é relativamente recente: começou em 1978 com a obra Greek Homosexuality (A Homossexualidade Grega), do Prof. Kenneth Dover. E foi a partir dessa obra que outros estudos começaram a surgir, mas todos baseados na interpretação original de Dover. Um desses autores que se basearam grandemente na visão de Dover foi o filosofo francês Foucault, ele próprio gay. Então essa visão da Grécia Gay como um farol para a luta dos direitos gays foi ganhando força nessas militâncias acadêmicas.

Mas é aí que a bagunça histórica começa: a história e a sociedade da Grécia antiga foram reinterpretadas para validar pautas sociais e políticas modernas. Curiosamente, o que refuta essa generalização de que o homossexualismo na Grécia era algo amplamente praticado e até incentivado, é justamente a academia e as fontes primárias da gregas, entre eles os mais famosos cientistas, dramaturgos e poetas. E criticando a fragilidade da abordagem tanto de Dover quanto de Foucault, eu vou indicar pra vocês duas obras clássicas: Lei, Sexualidade e Sociedade: Aplicação a moral na Atenas clássica, do Prof. David Cohen, e a obra Eros: O mito da antiga sexualidade grega, do Prof. Bruce Tornton.

O equivalente à palavra “amante” nem aparece no texto original no contexto dos dois. A palavra original traduzida tem sempre o sentido de “amigo” ou “camarada”, nunca um parceiro sexual ou qualquer coisa do tipo.

Um dos primeiros e mais usados “trunfos” dos defensores da Grécia gay vem justamente deles: Aquiles e Pátroclo! Dizem que, se tem um casal gay primordial na cultura ocidental, são eles. Mas a história é muito mais complicada que isso! Então vamos direto à fonte: a Ilíada de Homero. No livro 18, a partir do verso 80, a gente vê o lamento de Aquiles pela morte de Pátroclo, onde ele usa palavras como “amigo”, “que eu prezava acima de todos, estimando-o como a mim próprio.” Incrivelmente, algumas pessoas interpretam essa passagem de que Aquiles amava Pátroclo como a si mesmo como evidência de que eles eram amantes. Mas em nenhuma passagem do grego original há qualquer palavra que demonstre um sentimento romântico que possa mesmo ser interpretado como homossexual. O equivalente à palavra “amante” nem aparece no texto original no contexto dos dois. Impossível! A palavra original traduzida tem sempre o sentido de “amigo” ou “camarada”, nunca um parceiro sexual ou qualquer coisa do tipo.

Outra evidência fundamental que embasa essa afirmação de que Aquiles e Pátroclo eram grandes amigos e não um casal gay, é o Banquete de Xenofonte, que é o primeiro comentário registrado da Grécia antiga sobre o relacionamento dos dois. No capítulo 8, seção 31, Xenofonte, citando Sócrates, diz: “Homero nos retrata Aquiles, olhando para Pátroclo não como o objeto de sua paixão, mas como um camarada, e com esse espírito vingando significativamente sua morte.” Então, não há qualquer evidência sólida de que eles fossem um casal gay... O problema é que, pra quem tem um martelo, tudo é prego, né?

Mas sabia que os filósofos e cientistas mais proeminentes e respeitados da história grega, se vivessem hoje, seriam "cancelados" por homofobia? Isso é assunto para a próxima coluna.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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