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Parto normal.
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Ni Hao,

Outro dia meu sogro me instigou a fazer um relato do que havia mudado nas crianças depois de termos vindo para cá (fora a voz do Marquinhos que, aos 13 anos, está irreconhecível). Aí lembrei que mês passado fizemos nove meses de China. Uma gestação completa. Fiquei pensando no que cada um de nós pariu depois deste tempo todo.

Concluí que cada um de nós pariu um outro “eu”. Parto normal, na hora certa, sem indução. E acho que, felizmente, este outro “eu” é uma versão melhorada de nós mesmos.

Como assim?

Imaginem que, num belo dia, um disco voador o abduzisse e depois o soltasse num local totalmente estranho. Bum! Você cai de dentro da espaçonave, levanta e olha em volta.

E o que você vê? Pessoas estranhas, que se vestem de forma estranha; escarram no chão, arrotam à mesa, colocam os filhos para fazer xixi e cocô na rua, se acocoram para descansar as pernas; usam buracos em vez de privadas; comem cachorro, cobra, escorpião, lagarta; gritam, se empurram, furam fila… e você, ali, olhando tudo aquilo, levando um esbarrão de vez em quando e se perguntando “de quem foi mesmo a ideia de embarcar neste disco voador?”.

Não sei se por causa do nosso instinto de sobrevivência, mas acabamos nos acostumando a tudo isso. Nove meses depois, amigos, nosso outro “eu” nasceu com um nível muito mais avançado de tolerância e de respeito às diferenças.

Agora imaginem que, neste novo local, você não tem carro (não dirijo há quase um ano), não tem emprego e perdeu a capacidade de se comunicar: não fala, não lê e muito menos escreve a língua dos habitantes. O que você faria numa hora destas?

Sim, enfiaria o orgulho no saco e pediria ajuda. Pediria ajuda a pessoas que você mal conhece, mas que estão há mais tempo neste novo mundo. A seus filhos, que falam inglês ou chinês melhor que você. A sua empregada, que a acompanha ao médico, ao supermercado, ao cabelereiro e que conhece do número da tinta do seu cabelo até suas doenças crônicas mais íntimas. Sim, amigos, nosso novo “eu”, além de mais tolerante, nasceu muito mais humilde.

E se você fosse uma criança e seus pais, antes fortes, seguros e protetores, não conseguissem dizer o endereço de casa para o motorista de taxi? Ou pedissem comida no restaurante apontando com o dedinho a foto dos pratos e, além disso, fizessem carinha de nojo quanto o prato chegasse? Imaginem que seus pais não conseguissem explicar claramente para seus professores o seu problema e que você morresse de vergonha do sotaque deles? Então, sem muita escolha, nove meses depois, nossos filhos tiveram que ser tornar muito mais independentes.

E, finalmente, imaginem que, nove meses depois, você já se sente quase parte deste novo mundo (embora continue analfabeto e sem carro) e um novo disco voador reaparecesse e jogasse novas pessoas neste local?

Na mesma hora, você as juntaria do chão, sacudiria a poeira, pegaria pela mão e apresentaria o supermercado, a farmácia, a yoga, o Starbucks… Nove meses depois, nascemos também muito mais solidários.

Humildade, tolerância, independência e solidariedade. Estamos ou não melhores?

Infelizmente, o que venho observando em outras pessoas é que essas qualidades florescem apenas nos primeiros meses e, que depois de alguns anos, vão definhando. A tolerância vira intolerância; a humildade se transforma em arrogância e a solidariedade passa a ser seletiva. A verdade é que ninguém pode julgar ninguém. Fomos todos colocados num mundo estranho onde não sabemos ao certo se é melhor nos adaptarmos ou mantermos distância.

Por enquanto, como todo recém nascido, estamos felizes, curiosos e aprendendo coisas novas todos os dias.

 

Garçonete do bar

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