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Missão da Embrapa esteve em fevereiro no Senegal, como parte de cooperação técnica entre os países para construção da “grande muralha verde africana”.
Missão da Embrapa esteve em fevereiro no Senegal, como parte de cooperação técnica entre os países para construção da “grande muralha verde africana”.| Foto: Luciano Bastos Lopes/Embrapa

O Brasil deve boa parte de sua cultura à África e “essa dívida pode ser paga com ciência e tecnologia”, enviando pesquisadores para ensinar aos africanos como desenvolver uma agricultura competitiva nos trópicos. A proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reiterada em recentes declarações, é de intensificar o papel da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) como polo de transferência de tecnologia para países africanos como Angola, Moçambique e Gana.

A atuação internacional da Embrapa existe há cerca de 20 anos e foi reconhecida pela ONU, em 2016, como uma das 15 melhores ferramentas de cooperação entre países emergentes visando o desenvolvimento sustentável. A forma como ela é realizada, contudo, poderia ser aperfeiçoada a partir da própria experiência brasileira de tropicalização da agricultura, feita nos anos 70, segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Brasil (Aprosoja).

Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que a aparente boa intenção de Lula pode acabar favorecendo o interesse geopolítico da China, que busca reduzir sua dependência dos maiores fornecedores globais de soja – Brasil e Estados Unidos – e promover uma neocolonização do continente africano, por meio de vultosos empréstimos internacionais que acabam virando dívidas impagáveis, subordinando os países às diretivas de Pequim.

Em vez de intensificar o envio de técnicos e pesquisadores como espécie de missionários agrícolas, a Aprosoja propõe que se observe com mais atenção os moldes da transformação da agricultura brasileira a partir dos anos 70, de atividade de subsistência à liderança produtiva, que também teve importante base na cooperação internacional.

Revolução agrícola dos anos 1970

Em 1974, o então ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, decidiu enviar 1,5 mil engenheiros agrônomos para fazer doutorado no exterior e conhecer o que de mais moderno era praticado em centros de tecnologia agrícola da Europa, Ásia, Estados Unidos e Oceania. De volta ao país, aqueles estudantes tropicalizaram a ciência aprendida no hemisfério Norte e ajudaram os agricultores a conquistar o Cerrado, até então tido como terra infértil, mas que hoje é um dos principais cinturões verdes do mundo.

Para a Aprosoja, replicar essa experiência seria uma medida mais eficaz do que a proposta paternalista de Lula. “A decisão mais acertada seria abrir as portas da Embrapa para que técnicos de países africanos – e de outros que tenham interesse – venham ao Brasil conhecer a realidade da nossa agropecuária e levar para suas nações o conhecimento aprendido aqui, tal qual fizemos 50 anos atrás e que nos fez autossuficientes na produção agropecuária”, diz a entidade.

Para a associação de produtores, a iniciativa de emprestar técnicos e tecnologias desenvolvidas no Brasil para alavancar a produção de alimentos em diversas regiões carentes do continente africano é digna de louvor, visando à segurança alimentar no mundo. Mas não basta simplesmente transferir tecnologia, maquinários e profissionais a outros países.

Alysson Paolinelli foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz pelo projeto de transformação da agricultura brasileira nos anos 1970.
Alysson Paolinelli foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz pelo projeto de transformação da agricultura brasileira nos anos 1970.| Divulgação/Abramilho

Necessidade de arranjos regionais e centros de difusão locais

A nota da Aprosoja observa que, a exemplo do Brasil, os países africanos precisam adaptar culturas e customizar tecnologias à sua realidade, de forma a construir uma agricultura sustentável.

"Assim como a mera transferência de material genético a ser plantado no Brasil não foi o diferencial que o levou a se tornar o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, são os arranjos regionais, planejamento do que produzir e onde, e o desenvolvimento de centros de conhecimento e difusão locais, que tornarão possível o crescimento da agricultura no continente africano", diz a associação.

"Desta forma, compartilhando conhecimento, sem deixar de atender os principais clientes, que são os produtores rurais brasileiros, o Brasil ocupará um lugar de destaque na geopolítica mundial ao mesmo tempo em que atenderá aqueles que esperam pelo desenvolvimento de tecnologia agrícola capaz de mantê-los na atividade”, conclui a Aprosoja.

Em entrevista à Gazeta do Povo, relembrando a iniciativa pioneira de espalhar estudantes de agronomia pelo mundo em busca das melhores práticas e tecnologias, o ex-ministro Alysson Paolinelli afirmou que o próprio Brasil “precisa ter um novo 1974”. A ideia seria “pegar uma turma de gente boa, recém-formados, doutores, que foram brilhantes, mandar para os grandes centros biotecnológicos do mundo, para ver o que estão fazendo. Nós já estamos na frente deles, mas é não deixar eles passarem na frente”.

“Eu fui um aventureiro que juntou um grupo de malucos pensantes, que pensaram maluquices, mas deu certo, porque teve apoio do governo e nós fizemos. Na época, enviamos 1.530 formados, a maioria deles foi fazer doutorado no exterior. Foram os 100 milhões de dólares mais bem gastos pelo Brasil. Hoje a gente paga isso aí com uns quilinhos de soja, mas na época não”, relembrou Paolinelli.

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