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Durante dez anos, a agricultora Neidecir da Lua Lima, 47, vivia incomodada com uma vermelhidão que lhe apareceu no busto. Tratada como micose, a mancha não regredia de jeito nenhum. Chegou ao ponto de sangrar, derrubando os diagnósticos dos clínicos gerais que ela consultava em Mandirituba, na região de Curitiba. Encaminhada para especialistas, confirmou o pior. Tratava-se de câncer de pele. Uma notícia que transformaria sua vida em uma maratona de tratamentos.

Os trabalhadores rurais são maioria entre as vítimas de câncer de pele, mostra estudo com pacientes do Hospital Erasto Gaertner (HEG) elaborado pelo oncologista Marcos Mon­tenegro. Ele reuniu dados de 185 pacientes atendidos durante dois anos (2007 e 2008) e, ao filtrar as informações, concluiu que 72% trabalharam na lavoura durante parte de suas vidas. Montenegro afirma que esse dado é alarmante e está relacionado a duas questões-chave: a pele clara e a falta de uso de protetor solar. Além de não se protegerem, os trabalhadores rurais demoram demais para iniciar o tratamento.

Uma década depois dos primeiros sintomas é que Neidecir foi levada a uma mesa de cirurgia do HEG. Isso ocorreu dois anos atrás. Quando o problema parecia estar resolvido, a doença voltou, afetando seu nariz. Há um ano, foi necessária nova intervenção cirúrgica. Hoje recuperada das feridas, a paciente diz ter clareza do que ocorreu. "Foi por causa do sol", relata. Ainda com cicatrizes sensíveis, voltou ao cultivo de alimentos e tabaco na área de 3,6 hectares que garante o sustento de sua família.

Um ponto em comum nos depoimentos dos pacientes torna a situação inquietante. Os produtores não têm dinheiro para comprar cremes protetores, relata Montenegro. Em sua avaliação, enquanto o uso do produto continuar restrito à praia, por causa do preço alto ou simplesmente pela falta de cuidado, o drama continuará adoecendo os agricultores e engrossando as filas do Sistema Único de Saúde (SUS). O câncer de pele é o que tem maior incidência no Brasil. Afeta uma em cada quatro pessoas com esse tipo de doença, conforme o Instituto Nacional do Câncer (Inca). No Paraná, 9,2 mil pessoas terão câncer de pele em 2010, conforme projeção da entidade.

Mesmo agora, depois das duas intervenções cirúrgicas, Neidecir confessa que não se protege como deveria. "Passo protetor uma vez por dia, antes de ir para a roça. Não passo de novo quando fico muito tempo no sol", afirma. Sem renda fixa, o protetor é um produto caro para seu bolso, reclama. Na entressafra do fumo, um trabalhador rural, por mais forte que seja, gasta um dia de suor – capinando, quebrando milho, arrancando feijão – para comprar o creme que ela precisa, vendido por em média R$ 50.

Mesmo sem novas manchas na pele, a paciente não se livrou do drama do câncer. Sente queimação interna no busto, coração acelerado e depressão. As visitas ao Erasto Gaertner, por onde passam 2,4 mil pessoas por dia, tomam seu tempo e roubam o sossego da vida no campo. Atualmente, 92% dos pacientes são atendidos através do SUS no hospital, que depende de doações e se mantém como referência nacional no setor.

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