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Guru da agropecuária quando o assunto é a crise internacional, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Dias afirma que o momento é decisivo para o setor. Ele considera que, pela falta de crédito, o mundo "deu uma parada". Enquanto consultor da Confederação da Agricultura do Brasil (CNA), diz que é hora de arregaçar as mangas e pôr em prática a reforma do sistema de crédito agrícola. Veja a entrevista concedida à Gazeta do Povo. O pico da crise internacional já passou?

Não. A gente está vivendo, conforme o país e conforme o setor, o momento mais complicado da crise. O volume de crédito continua diminuindo em relação à produção mundial, e ele deve mesmo diminuir, dada a natureza da crise, para crescer mais tarde. A pressão da falta de crédito sobre o processo de comercialização nós vamos ver mesmo nesta safra, agora. Bate o dia primeiro de fevereiro, todo mundo quer vender soja. Você vai ver a formação de um prêmio negativo imenso em Paranaguá. Vamos sentir na carne o que é comercializar a safra nessas condições em cima de nossas culturas anuais. Conforme o setor, você percebe que ainda deixou estoque muito grande na intermediação, não o estoque mundial não é alto. Se vc acelera a tentativa de vender a safra, explode na sua cara.

Os preços atuais vão se manter na hora da colheita?

Eu acho que sim. Não estamos muito distantes do que foi o equilíbrio da última década. A menos que isso (a crise) vire uma bruta depressão econômica no mundo inteiro. Você ainda não tem garantias de que os entendimentos entre governos vão ocorrer de uma forma cooperativa. Se um começa a acusar o outro de que certo país exporta os custos do ajuste, se houver desentendimento entre a China, o Japão e a Europa, aí é claro as cotações atuais não se sustentam. Por enquanto, o cenário parece ser cooperativo. Bancos centrais fazem movimentos mais ou menos coordenados, que dão sustentação aos preços. A situação não é tão ruim quanto se pensava três quatro meses atrás.

Considerando as dívidas de safras passadas, a crise internacional e as perdas com a estiagem, o produtor vai conseguir pagar suas contas?

Ninguém sabe direito. Por causa desse tipo de negociação baseada no "eu levo de barriga para ver se pago no ano seguinte", nós estamos numa bela de uma confusão, somando três ou quatro anos de negociações. Hoje, existe mesmo redução no crédito. E o setor agrícola pede uma renegociação que é o que? Mais crédito. Mais tempo para pagar. Então, nós estamos andando contra a maré. Um processo como esse só é bem sucedido se você faz algum movimento claramente percebido como de uma pessoa que quer resolver o problema – por isso estamos defendendo a formalização do setor (a transformação do produtor em pessoa jurídica). A formalização diz para todos: "Olha, os produtores estão de fato querendo resolver o problema".

O problema da dívida é antigo. Até quando esse quadro é sustentável?

Nós temos um sistema de financiamento da agricultura muito mal organizado, primitivo, desarticulado. Se, num momento de contração no volume do crédito, em que o mundo dá uma parada, você faz uma reforma que seja vista por todos como uma tremenda de uma melhoria na estrutura, nosso saldo final pode ser melhor que o esperado. Com o apoio do governo a essa proposta, a situação pode mudar.

O sr. defende a adoção da contabilidade formal nas propriedades rurais. Isso pode levar quanto tempo?

Para os mais organizados, menos de um ano. Para os desorganizados, que têm resistência cultural, dois a três anos.

E quanto tempo de formalização é necessário para que o produtor fique com uma margem maior dos preços, como sr. prevê?

Isso depende da resposta do governo em termos de política agrícola. Se você consegue emplacar uma espécie de Simples Rural, que organize muito bem essa relação de crédito e débito e as contas fiscais, a gente pode colher em 2010 algum benefício. A consolidação vem em dois ou três anos.

O sr. imagina quantos por cento do setor agrícola formalizado?

Eu acho que é por cadeias, se você consegue fazer a cadeia exportadora de grãos se formalizar, isso é um processo de menos de dois anos. Para sairmos da situação caótica atual para uma negociação sólida das dívidas, dois anos é um prazo muito razoável.

Que peso a formalização tem como moeda de troca na negociação das dívidas?

Ajuda muito porque você centraliza a informação e deixa claro o quanto está em jogo de recursos de cada setor que financiou a agricultura – uma informação muito mais crível de qual é a capacidade de pagamento dos produtores. Não adianta ficar fazendo projeções de que você paga tudo em dois anos. Você põe os números na mesa, vê que é impossível. Na formalização você cria um mecanismo muito mais realista. Como a informação está centralizada, não é uma coisa só dada pelo produtor. Se tem uma situação muito difícil de solucionar, vai imediatamente surgir uma discussão entre fornecedores, tradings e bancos de como vai ser o rateio do custo do ajuste. Isso será possível entre 2010 e 2013 para alguns setores.

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