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Soja

Após atrito com governo, agro enfrenta distribuidoras por mistura de combustível 

(Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Uma demanda do setor de combustíveis para combater fraudes no diesel comercializado nos postos criou um embate com produtores de soja brasileiros. A controvérsia diz respeito à mistura obrigatória de biodiesel no produto, produzido a partir do grão. Pelo mesmo motivo, os sojicultores já haviam se indisposto com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A Lei 14.993/2024, conhecida como Lei do Combustível do Futuro e sancionada em outubro do ano passado, estabelece que o teor do biocombustível a ser adicionado ao derivado de petróleo deve aumentar anualmente até chegar a 20% do produto final em 2030 – o porcentual exigido atualmente é de 14% e já deveria ter subido a 15%, mas essa alta foi suspensa pelo governo (leia mais abaixo).

Diversas entidades representativas do setor de combustíveis e de biocombustíveis, no entanto, têm observado um crescimento nos casos de irregularidades envolvendo a mistura. A não conformidade é motivada pelo encarecimento do biodiesel, cujo preço saltou 41% em 2024, enquanto o diesel puro acumulou alta de 2% no mesmo período. 

Instituições como o Instituto Combustível Legal (ICL), o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), o Sindicato Nacional Transportador Revendedor Retalhista (Sindtrr) e a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), reportaram a tendência. 

Em janeiro, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) e a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) solicitaram uma audiência em caráter de urgência com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para tratar do tema. 

No início de março, o Sindicato das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom) dividiu os setores ao protocolar ofício junto à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Sindicom) pedindo a suspensão temporária da adição obrigatória de biodiesel no óleo diesel que sai das refinarias por 90 dias.

Segundo a entidade, o motivo do requerimento é o crescimento de fraudes na composição do produto, o que estaria gerando concorrência desleal. 

“Para se ter uma ideia, dos mais de 100 testes realizados pelo setor de combustíveis entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025, 46% apresentaram irregularidades”, afirma o Sindicom, em nota. “Os estados que mais utilizam o diesel, como São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Paraná, são os mais afetados”, acrescenta o Sindicom. 

O descumprimento da norma estaria gerando ganhos ilegais de até R$ 0,22 por litro, o que afetaria toda a cadeia de combustíveis, desde a distribuição até as redes de postos, ainda de acordo com a entidade. 

“A Lei do Combustível do Futuro, que conta com o nosso apoio, determina um acréscimo de 1% ao ano de biodiesel no diesel até 2030, para chegarmos a um porcentual de 20% em 2030. Este é o momento de prepararmos o país para que isso aconteça de forma estruturada e benéfica para a sociedade, com impactos positivos no meio ambiente, no ambiente de negócios e no combate ao crime organizado”, diz Mozart Rodrigues Filho, diretor-executivo do Sindicom. 

O pedido acabou rejeitado pela ANP, que calculou que, para zerar o percentual de biodiesel no diesel B, seria necessário um aumento da oferta de diesel A (puro) em mais de 2,4 milhões de m³ no ano de 2025. Além disso, entre outros fatores, o órgão alegou que a não adição de biodiesel impactaria a lubricidade do óleo diesel, o que poderia causar danos aos motores e consequentemente prejuízos ao consumidor.

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A iniciativa do Sindicom não foi bem recebida por produtores de soja e de biodiesel, que já haviam sido surpreendidos em fevereiro com decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de suspender o aumento da mistura do biocombustível no diesel de 14% para 15%, previsto para 1.º de março.

A mudança no cronograma da Lei do Combustível do Futuro, apenas seis meses após a sanção da norma, foi justificada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sob o argumento de conter a inflação dos alimentos. Segundo a pasta liderada por ele, a elevação da mistura em um ponto porcentual impactaria o preço da comida, uma vez que o óleo diesel representa 35% do valor do frete. 

Para o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), que também preside a da Comissão de Transição Energética da Casa, a decisão foi um retrocesso.

“Além de haver soja para atender o mercado – em 2024, produzimos 147,38 milhões de toneladas de grãos, dos quais apenas 54 milhões são esmagadas para o biodiesel –, o seu uso reduz as emissões de gases de efeito estufa em até 80%”, afirma o deputado.

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Outra iniciativa que desagradou os produtores de biodiesel surgiu na própria Câmara. No dia 11 de março, o deputado Marcos Pollon (PL-MS) protocolou projeto de lei (862/2025) propondo a liberação da venda de diesel sem adição do biocombustível ao consumidor final.

Na justificativa, o parlamentar diz que a iniciativa “ampliará a competitividade no mercado de combustíveis, proporcionando aos consumidores maior liberdade de escolha e potencial redução de custos”. Diante da repercussão negativa entre os agentes envolvidos, Pollon informou ter solicitado o arquivamento do texto. 

Caso o pedido do Sindicom à ANP fosse acatado, a FPA estima que 10 milhões de toneladas de soja deixariam de ser esmagadas. Segundo a frente, isso representaria 8 milhões de toneladas de farelo de soja a menos no mercado, elevando a inflação e o preço das carnes, uma vez que o subproduto é utilizado para produção de ração animal na pecuária. 

No Congresso, deputados e senadores classificaram a medida como “uma afronta” ao Legislativo federal, responsável por aprovar a Lei Combustível do Futuro, e ao governo federal, criador da Política Nacional do Biodiesel. 

“É um ataque à soberania nacional, uma vez que é esta a política que garante à cadeia da soja e proteínas a participação de 25,8% na pauta de exportações; a garantia de 16 milhões de empregos diretos e indiretos desde indústria até agricultura familiar; a competitividade da agropecuária em nível global e a redução das emissões de gases do efeito estufa, entre tantos outros benefícios à população”, diz nota assinada conjuntamente pelos deputados Pedro Lupion, presidente da FPA, e Alceu Moreira, que lidera a Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio). 

Apesar do embate, o Sindicom diz concordar com a FPBio na demanda por recursos e equipamentos para melhorar a fiscalização. A ANP conta atualmente com apenas um espectofotômetro para identificar em campo se a mistura obrigatória de biodiesel está sendo cumprida. Em outros casos, as análises precisam ser feitas em laboratório, após coleta de amostras. 

A agência reguladora afirma que vem intensificando o trabalho de fiscalização para identificar irregularidades no teor de biodiesel. Entre janeiro e fevereiro, foram coletadas cerca de 530 amostras de óleo diesel B (combustível já misturado), o que corresponde a um aumento de aproximadamente 80% em relação ao mesmo período de 2024. 

Segundo a ANP, 71 das amostras apresentaram não conformidade à atual exigência. Somente nas duas últimas semanas de fevereiro, cinco distribuidoras de combustíveis foram interditadas pelo órgão em razão do descumprimento da mistura, sendo três em São Paulo e duas em Goiás. 

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