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Inflação de alimentos

Citada por Lula, intervenção “drástica” para baixar preços pode ter efeito contrário

Alimentos exportados pelo Brasil que compõem a cesta básica já têm preço inferior no mercado brasileiro em relação à média internacional. (Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Uma intervenção “mais drástica” do governo federal para enfrentar o fantasma da inflação de alimentos no Brasil pode acabar tendo o efeito contrário e desestimular a produção agropecuária nacional, elevando os preços que chegam ao consumidor final. 

Depois de zerar as tarifas de importação sobre alguns produtos, o Executivo estuda uma atuação mais radical, de modo a garantir o controle de preços. Há alguns dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou, em evento na cidade de Campo do Meio (MG), que pode tomar atitudes “mais drásticas” para baixar o custo dos alimentos, embora não tenha detalhado quais seriam essas ações.  

“Eu quero encontrar uma explicação para o preço do ovo”, disse. “O ovo está saindo do controle. Uns dizem que é o calor, outros dizem que é exportação, e eu estou atrás [da explicação]”, afirmou o presidente.

Entre as iniciativas em análise, uma ala do PT tem defendido uma taxação sobre as exportações de produtos do setor agropecuário, o que, em tese, poderia aumentar a oferta interna e, com isso, reduzir os preços ao consumidor final. 

Para o engenheiro agrônomo e consultor de mercados agrícolas Vlamir Brandalizze, no entanto, a imposição de cotas ou elevação de tarifas de exportação não teria impacto sobre a inflação de alimentos.

“O produtor brasileiro trabalha com uma média nacional de cerca de 8% de margem de lucro. Se o governo colocar uma taxa de exportação de 10%, por exemplo, quebra o país”, explica. 

Mesmo uma taxação mais baixa não teria o efeito desejado, segundo o consultor, já que o valor de referência para venda é baseado no mercado global, e grande parte dos itens exportados pelo Brasil que compõem a cesta básica – como óleo de soja, açúcar, arroz, ovo e carnes suína e de frango – já tem hoje preço inferior no mercado brasileiro em relação à média internacional.

“Ao invés de a gente estimular a produção, vamos trabalhar no sentido contrário?”, questiona Paulo Bortolini, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), em relação à possibilidade de restringir ou taxar as exportações.

Ele lembra que a Argentina adotou medida semelhante, que não resultou em queda de preços e ainda desincentiva a produção, por gerar muitos custos aos produtores. “Temos que enfrentar esse problema de uma forma mais estruturada, com políticas públicas mais adequadas”, diz o presidente da Abramilho. 

No último dia 13, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), subordinada ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), aprovou a isenção da tarifa de importação de nove gêneros de produtos alimentícios. A decisão, tomada pelo Planalto, teria o objetivo de aumentar a oferta desses itens no mercado brasileiro e consequentemente baixar os preços para o consumidor final.

A medida também deve ser inócua, na avaliação de Bortolini. Segundo ele, no caso de commodities como o milho, há excedente de produção e, ainda que fosse possível aumentar as importações, os custos envolvendo operações portuárias e a logística interna para levar o produto para consumo e industrialização no interior do país impediriam a queda nos preços. 

Brandalizze concorda. “Pode ter um efeito de os preços não continuarem subindo, mas não reflete muita coisa”, avalia o consultor de mercados agrícolas. “Tirar tarifa de importação é mais uma medida populista, porque o pessoal não vai importar mais, o produto vai chegar muito mais caro para o brasileiro. Se fosse para importar, teria que importar do próprio Brasil.” 

Crédito mais barato e desoneração de insumos poderiam ajudar a conter preços de alimentos

Para o consultor, a melhor saída passa por baratear o crédito para o produtor e reduzir a tributação sobre insumos. “O Brasil provavelmente tem a maior tributação sobre insumos agrícolas do mundo”, diz. 

No fim de fevereiro, a Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) enviou aos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa, um ofício com 20 sugestões para reduzir os preços dos alimentos

Entre as medidas de curto prazo sugeridas estão a revisão da tributação sobre fertilizantes e defensivos agrícolas, a redução de PIS/Cofins sobre itens essenciais, como trigo e óleo vegetal, e do adicional de frete para renovação da marinha mercante, para reduzir custos no transporte de insumos agropecuários. 

Outras sugestões do pacote incluem a desburocratização de operações de crédito, reavaliação de impostos sobre embalagens e a integração de processos alfandegários e sanitários. 

Já entre as propostas de médio e longo prazo, estão a adoção de políticas para reduzir o desperdício de alimentos, a eliminação de contingenciamentos do Plano Safra, a expansão de malha ferroviária e hidroviária, o incentivo à produção nacional de fertilizantes e bioinsumos e a expansão de capacidade de armazenagem de grãos. 

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