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A segurança alimentar é um dos maiores desafios dos países populosos e de menor renda, principalmente na Ásia e na África. | Arquivo/Gazeta do Povo
A segurança alimentar é um dos maiores desafios dos países populosos e de menor renda, principalmente na Ásia e na África.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

A fome e a má nutrição continuam figurando entre as maiores preocupações da modernidade. Por um lado, segundo a Cruz Vermelha, o mundo conta com 1,5 bilhão de pessoas obesas e, por outro lado, são 815 milhões de desnutridos - de acordo com a Organização Mundial de Saúde. As interrupções no fornecimento de alimentos afetam a saúde das populações e causam tensões políticas e sociais. A segurança alimentar é um dos maiores desafios dos países populosos e de menor renda, principalmente na Ásia e na África.

O livre mercado permite a esses países abrir mão de autossuficiência na produção de alimentos. Além disso, quanto mais aberta é economia, mais os consumidores têm possibilidade de ter alimentos por preço acessível, variados e de melhor qualidade. Entretanto, o problema é maior do que parece.

O pesquisador e alto funcionário do governo chinês Cheng Guoqiang definiu bem o desafio: “a segurança alimentar num país populoso vai muito além de uma simples questão econômica e comercial. A queda de um ponto percentual na produção chinesa de grãos significa uma importação adicional de quase 5 milhões de toneladas ou 2,5% do volume total do comércio mundial de grãos.”

Os fatores que mais influenciam a produção de alimentos são a disponibilidade de terras e de água, o clima, a produtividade e a tecnologia. Esses fatores estão ligados diretamente à biodiversidade na produção de alimentos, um dos fundamentos do sistema moderno de alimentação e nutrição.

Conforme o estudo da organização internacional de pesquisa Biodiversity International, a produção moderna de frutas e vegetais só atende 78% das necessidades nutricionais da população mundial.

Ao mesmo tempo, das 30 mil variedades de plantas que poderiam ser usadas para a alimentação, a agricultura mundial usa apenas três culturas – trigo, arroz e milho – para fornecer 50% das calorias derivadas de plantas consumidas pelas pessoas ao redor do mundo. As culturas mais comuns produzidas somam somente 2% do material genético armazenado nos bancos de germoplasma.

Os pesquisadores afirmam que a dependência de uma pequena quantidade de espécies de plantas cria o risco de interrupção no fornecimento, por conta das secas, do aumento de temperatura e da imprevisibilidade do clima.

Conforme estudos da Embrapa, o desequilíbrio provocado pela monocultura (plantio de uma única cultura) desencadeia problemas de doenças, pragas e plantas daninhas sem controle. A falta de rotação de culturas causa o desbalanceamento das condições físicas, químicas e biológicas do solo, levando à perda de produtividade.

Esses fatores podem levar às interrupções no fornecimento de alimentos. Com o objetivo de medir a agrobiodiversidade em três dimensões: a dieta populacional, a produção de alimentos e os recursos genéticos, a Comissão Europeia contratou a Biodiversity International para desenvolver um índice específico – Agrobiodiversity Index.

O índice será lançado em meados de 2018 e orientará os governos, os investidores e as empresas na tomada de decisões e investimentos para garantir que os sistemas de produção de alimentos sejam mais diversificados e sustentáveis. Os especialistas da Comissão Europeia acreditam que a biodiversidade agrícola poderá ser incentivada por novos instrumentos do mercado de capitais.

Aqui no Brasil, falamos muito sobre a diversificação das exportações. No caso do agronegócio, essa tarefa é diretamente ligada à biodiversidade agrícola.

O Brasil é o segundo maior exportador de alimentos do mundo. Ocupamos a primeira posição no fornecimento de açúcar, café, soja, suco de laranja e carne de frango; a segunda posição no de milho; a terceira no de carne bovina; e a quarta no de carne suína.

Em alguns produtos, participamos com uma parcela muito grande do mercado global: fornecemos 48% do açúcar mundial, 42% da soja, 36% da carne de frango, 25% do café e 18% da carne bovina.

Entretanto, a nossa pauta exportadora é concentrada em poucos produtos. Dos cerca de US$ 63 bilhões exportados em alimentos pelo Brasil em 2016, 94% foram tomados por apenas cinco grupos de produtos: soja, carnes, açúcar, café e milho. Todos commodities. Para comparar, a exportação de frutas representou apenas 1% do total.

A diversificação da produção e da exportação é importante para mitigar os riscos climáticos, evitar o uso excessivo de defensivos agrícolas por conta de doenças e pragas e fazer melhoramento genético, evitando o estreitamento de base genética das culturas produzidas.

A Embrapa é líder nas tecnologias agrícolas sustentáveis de cultivo, na genética e melhoramento de plantas e animais, e no desenvolvimento de variedades de culturas resistentes à seca e a outras mudanças climáticas, às pragas e às doenças. Temos essa enorme vantagem perante nossos concorrentes.

Além disso, o Brasil conta com quase 20% da flora mundial, o que abre um espaço muito grande para introdução de novos cultivares e para o desenvolvimento de biotecnologia na produção de alimentos e de bioenergia.

Uma das novas fronteiras está sendo aberta com a ajuda da Embrapa. É o plantio de leguminosas de grãos secos – feijão-caupi, feijão-mungo, grão-de-bico, lentilha, entre outros – as chamadas pulses. O volume do comércio mundial dessas leguminosas hoje é de 12 milhões de toneladas e deve aumentar 23% até 2030, conforme estimativas do Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares - IFPRI.

A Embrapa aponta que o feijão-caupi tem um ciclo mais curto de plantio, é mais tolerante à seca e tem custo da produção mais baixo do que outras culturas. Ele está sendo plantado no Mato Grosso como cultura de segunda safra em áreas onde não é possível semear o milho dentro da janela de plantio. A próxima cultura a ser plantada nos estados do Piauí e de Mato Grosso com a tecnologia da Embrapa será o feijão mungo verde, que pode ser consumido na forma de broto de feijão ou em grãos.

Essas e outras novas culturas serão essenciais para agregar valor na produção de alimentos, mitigar os riscos e abrir novos mercados. A Comissão Europeia está certa. A biodiversidade na agricultura precisa ser medida e levada em consideração por governos e pela iniciativa privada. É um risco que poderá ser convertido em grandes oportunidades.

(*) Tatiana Palermo foi Secretária de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2015-2016).

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