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O presidente Donald Trump ao chegar no Fórum Econômico Mundial de 2018, em Davos | Boris Baldinger/Fórum Econômico Mundial
O presidente Donald Trump ao chegar no Fórum Econômico Mundial de 2018, em Davos| Foto: Boris Baldinger/Fórum Econômico Mundial

O Encontro deste ano do Fórum Econômico Mundial , em Davos, discutiu os desafios de criar um futuro compartilhado num mundo fragmentado. Como fazer isso num ambiente onde as palavras “colaboração”, “bem comum” e “um mundo melhor para todos” estão sendo cada vez menos usadas?

Com um discurso semelhante, de se tornarem “grandes novamente”, os Estados Unidos, a China e a Rússia transformam o mundo político e econômico em um jogo de soma zero, onde uns ganham exatamente o que os outros perdem, não se preocupando em criar valor ou com benefícios para o mundo em geral.

Há quase 60 anos, o então Presidente dos EUA Dwight Eisenhower afirmou que aquela nação poderia ser a mais rica e a mais poderosa, e ainda assim perder a batalha mundial, se não ajudasse seus vizinhos a proteger sua liberdade e avançar em seu progresso social e econômico. Disse, ainda, que não era o objetivo do seu povo que “os Estados Unidos fossem a mais rica nação no cemitério da história”. Os anos passaram, e o caminho que os EUA estão traçando agora vai na contramão da fala de Eisenhower.

Os EUA estão abrindo mão da liderança global, reduzindo as contribuições para o orçamento das Nações Unidas e se retirando de várias iniciativas multilaterais. Dentre os assuntos hoje questionados por aquele país estão as preocupações com o clima, os fundamentos do sistema multilateral do comércio e os acordos políticos e comerciais em vigor. Tudo está sendo repensando de ponto de vista de interesses individuais.

Enquanto os Estados Unidos anunciam a sua rivalidade abertamente, apelidando a China e a Rússia de “concorrentes estratégicos”, a China recorre a estratégias disfarçadas, evitando um confronto aberto e traçando uma agenda paralela. Está cada vez mais transparente o movimento do gigante asiático para tomar o espaço liberado pelos EUA na arena global.

A Rússia, que no começo dos anos 90 perdeu seu ‘império soviético’, também está buscando fortalecer seu papel no cenário mundial. O processo de integração com o Ocidente foi rompido com o início do conflito com a Ucrânia. Como resultado de sanções mútuas, a Rússia inicia um caminho que Aleksander Dyrkin, Presidente do Instituto de Economia Mundial e de Relações Internacionais da Academia Russa de Ciências, chama de “era pós-Europa”.

A nova estratégia russa se baseia no distanciamento da Europa e na construção de novas alianças e políticas na Ásia e no Oriente Médio. As relações da Rússia com os Estados Unidos também estão cada vez mais tensas.

A União Europeia, por sua vez, não está falando em uníssono. Com as duras negociações em torno da saída do Reino Unido, com o crescimento da extrema direita e com a grave crise migratória, o bloco enfrenta o desafio de repensar o seu futuro.

Nesse contexto multipolar e voltado para interesses individuais, as democracias cedem e os movimentos autoritários se fortalecem. Crescem restrições à imprensa e às liberdades. Ampliam-se conflitos militares e tensões sociais em todas as partes do mundo.

A ONU calcula que em 2016, o preço da violência mundial totalizou US$ 14,3 trilhões, ou 12,6 % do PIB global. Naquele ano, pela primeira vez desde 2011, os dispêndios militares cresceram em comparação com o ano anterior, somando US$ 1,7 trilhão, conforme divulgado pelo Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (SIPRI).

Os EUA continuam sendo o país que mais gasta com armamentos, responsáveis por 36% dos dispêndios mundiais, seguidos pela China, que gasta 13% do total. A Rússia ocupa a terceira posição, com 4,1%. Já o orçamento consolidado da União Europeia não chega à metade dos dispêndios dos EUA.

Mesmo gastando com armamentos apenas 1/3 do que gastam os Estados Unidos, o Presidente da China, Xi Jinping, que consolidou sua forte liderança política no âmbito nacional em 2017, está “mostrando músculos” no exterior, construindo bases militares, apoiando líderes e grupos com os quais tem afinidade e, nas palavras assertivas de James Lindsay, do think tank estadunidense CFR, transformando o mar do Sul da China em um “laguinho chinês”.

A China mistura ações militares com ofensivas econômicas. Como o país sofre forte oposição na Organização Mundial do Comércio (OMC), estando cada vez mais longe de receber o status de economia de mercado, a estratégia de liderança global passa por investimentos em infraestrutura.

Com a sua notória iniciativa “One Belt, One Road” (“OBOR”), a nova rota da seda, a China planeja investir cerca de US$ 1 trilhão entre 2017 e 2021 construindo conexões marítimas e terrestres entre cerca de 60-70 países da Europa, da Ásia e da África. Está prevista a construção de uma rede de ferrovias, estradas, hidrovias, gasodutos e linhas de transmissão de energia, criando a maior plataforma de cooperação econômica, social e política entre países que somam um PIB de US$ 21 trilhões (quase 1/3 do PIB mundial), conforme estudo da consultoria McKinsey.

Caso a iniciativa se concretize, a revista New Yorker estima que a China gastará mais do que sete vezes o montante que os EUA investiram, em valores atualizados, no Plano Marshall, que reconstruiu a Europa após a Segunda Guerra Mundial. Além da rivalidade disfarçada com os Estados Unidos na esfera econômica global, esse ambicioso plano busca conter a influência geopolítica e econômica da Rússia na Ásia Central e na Europa.

Criando um contraponto à OMC, mas sempre tendo em vista interesses pragmáticos no âmbito da OBOR, a China negocia um ambicioso acordo de livre comércio – a Parceria Abrangente Econômica Regional (“RCEP”) – unificando os acordos que já possui com a Austrália, a Coreia do Sul, a Nova Zelândia e os 10 países da Associação de Nações do Sudeste Asiático, e agregando o Japão e a Índia.

Com a saída dos EUA do acordo de Parceria Transpacífica, e com a suspensão das negociações do acordo de Parceria Transatlântica com a União Europeia, o RCEP se tornou o maior acordo atualmente em negociação, abrangendo quase a metade da população, cerca de 30% do PIB e mais de ¼ do comércio mundiais.

“A ambição chinesa visa a ampliar sua área influência e ajudar a escoar seu excesso de produção enquanto a economia chinesa desacelera..., criando novos mercados para as empresas de construção do país e exportando seu modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado”, escreve o jornal New York Times.

O jornal Financial Times adiciona que o jogo paralelo da China permite a ela continuar a oferecer subsídios ilegais às suas indústrias, condicionar o acesso ao seu mercado à transferência de tecnologia, e adotar outras práticas desleais, questionadas na OMC. Com isso, o gigante asiático conseguiu criar indústrias de classe mundial nos setores de comércio eletrônico, armazenamento de dados, automação etc.

O mundo se transformou. Os grandes atores do jogo mundial não dividem os mesmos valores e estão cada vez mais voltados para dentro. O objetivo é ser um país grande no meio de uma maioria miserável, com o mundo tomado por violência? Ser grande, quando mais de 10% da população mundial até hoje vive abaixo do nível de pobreza e cerca de 11% de pessoas estão desnutridas? Quando o número de desempregados superou os 200 milhões de pessoas em 2017, com 2,7 milhões a mais este ano? E quando cerca de 13% de todas as mortes no mundo são causadas por doenças provocadas pela mudança climática e pela poluição?

Só é possível superar os graves problemas mundiais com um esforço conjunto, pensando em um futuro compartilhado e no bem-estar de todos. Somente dessa forma a economia mundial vai continuar crescendo de forma sustentável, combatendo a violência e os conflitos. Parafraseando Eisenhower, só assim esses grandes países não serão as nações mais ricas no cemitério da história.

(*) Tatiana Palermo foi Secretária de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2015-2016).

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