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Luiz Lourenço é diretor-presidente da Cocamar
Luiz Lourenço é diretor-presidente da Cocamar| Foto: Divulgação / Cocamar

Uma das regiões pioneiras no país em adotar o sistema de integração-lavoura-pecuária-floresta (ILPF), há vinte anos, foi o Noroeste do Paraná, liderado pela Cooperativa Agroindustrial de Maringá, a Cocamar.

A maioria dos 220 mil hectares dos filiados da cooperativa que hoje estão no sistema ainda pratica apenas a integração lavoura-pecuária, sem o elemento árvore. Mas mesmo a ILP já dá resultados fora do comum na região conhecida como Arenito Caiuá, de solos pobres e arenosos, que cobre uma área de 3 milhões de hectares.

Árduo defensor do sistema, o presidente da Cocamar Cooperativa Agroindustrial, Luiz Lourenço, explica em entrevista que, além de recuperar o patrimônio ambiental do solo, a ILP tem impacto econômico irresistível. A diferença está entre faturar R$ 1,3 mil por hectare/ano, em média, no sistema de pecuária extensiva em pastos extenuados, ou até R$ 18 mil (13,8 vezes mais), na mesma área, mas com os corretos cuidados agronômicos, alternando soja com o gado e o capim braquiária. Confira.

ILPF chegou na época das voçorocas

Pelo que se conta, a adoção do sistema ILPF na Cocamar começou para enfrentar um baita problema de erosão na região do Arenito Caiuá, no Noroeste do PR. Foi isso mesmo?

Certa ocasião, um produtor veio e me perguntou: por que não dá para plantar soja no Arenito? Eu disse que não sabia a resposta, mas iria consultar. E naturalmente, os órgãos como Secretaria da Agricultura e Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) foram contra. ‘Isso daí não dá certo’, disseram, mas a gente insistiu. Até que designaram um profissional do Iapar pra gente trabalhar, e começamos com isso em 1997. A coisa foi andando e se estruturando. Em cima do quê? De não mexer no solo, ou mexer o mínimo possível. Nessa época se gradeava e arava muito, mesmo o latossolo roxo. O que não é recomendável. Hoje sabemos que o ideal é o plantio direto, em qualquer circunstância.

Chegada dos transgênicos mudou perspectivas

A gente encontrou problemas iniciais, porque quando se faz lavoura em cima de ex-pastagem, vem o capim e o controle é muito caro, na época os herbicidas eram caríssimos. Mas daí chegou o transgênico, em 2003/04, e esse assunto se resolveu. Ficou muito fácil fazer uma integração lavoura-pecuária porque você tinha bom controle da sementeira da braquiária.

E aí fez-se a rotação. O que é a integração? É você produzir muito mais numa mesma área. Nós temos hoje uma produtividade pecuária em cima de um hectare de solo, no Noroeste do Paraná, de R$ 1.200 a R$ 1.300 de faturamento bruto por ano. Quatro arrobas de boi. E quando você faz a integração, você aumenta muito esse faturamento. Temos exemplos de gente que saiu desses R$ 1.300 para R$ 17.000 e R$ 18.000 por hectare/ano. Produção de soja no verão e produção de carne no inverno. É a geração de riqueza em cima de uma mesma área. Esse é o conceito que a gente está procurando estabelecer. Que você hoje produz muito pouca riqueza em cima de um hectare, quando você pode produzir dez vezes mais.

Resultados econômicos falam alto no sistema ILPF

O apelo mais forte para adesão à ILPF é ambiental ou econômico?

É econômico. Claro, ambientalmente ela é perfeita. Porque a matéria orgânica vai ficando lá no solo. É carbono na veia. Além da palhada superficial, mesmo que o boi coma, os dejetos dele ficam lá. A rede de raízes da braquiária, mais a palhada de cima, dá sete toneladas de palha por hectare. Um absurdo. E qual é o segredo do solo? É matéria orgânica, uma terra bem equilibrada química e fisicamente. Então, na verdade, você pega um solo extremamente fraco em termos de fertilidade e através desse processo você aumenta a matéria orgânica e a fertilidade automaticamente. Tira dez vezes mais. Lógico, não é no primeiro ano nem no segundo. Isso vai acontecer lá pelo terceiro ou quarto ano, porque você tem uma dificuldade de equilibrar o solo. Por que ele tá zerado. Com duas ou três etapas você coloca o solo numa condição de cultivar normal.

Então, o que estamos fazendo é aumentar muito a riqueza e fazer uma conservação de solo espetacular. Voltando a terra ao que ela era no passado, uma terra fértil. Daí produz qualquer coisa. Tem fertilidade, produz o que você plantar lá em cima. Planta milho, planta soja, planta boi. O que quiser. Mas o nosso mecanismo, que a gente divulga, é trabalhar pecuária e soja. A soja é uma leguminosa, ela tem a característica de deixar nitrogênio estocado no solo. A pastagem que vem em seguida, ela se beneficia desse nitrogênio e fica muito melhor. A soja sai com vigor extraordinário.

Regiões de pecuária "mais jovens" aderem mais facilmente à ILPF

O governo anunciou neste mês a regulamentação do mercado de pagamento por fixação de carbono. O senhor acha que isso pode impulsionar a ILPF?

Ela por si só está avançando muito. O Mato Grosso, por exemplo, está transformando muito rapidamente suas pastagens com soja. Por que ali era um solo em média muito fraco, mas era estruturado. Na medida em que se faz esse trabalho, o solo melhora consideravelmente e  passa a produzir tanto carne como soja, rapidamente. E lá o produtor, o pecuarista é um pouco mais rápido para entender as coisas. O pecuarista tradicional do Paraná, do interior de São Paulo, mesmo do Mato Grosso do Sul, próximo de Maringá, é um pessoal antigo, difícil de adesão, então a gente tem um pouco de dificuldade para avançar. Mas já avançamos bastante. Estamos com muitas áreas de integração bacana, tanto ILP como ILPF.

Quem adota volta ao sistema antigo?

Never more (risos). Por que a transformação do solo é monumental. Você tem um solo quase morto e depois um solo vivo, produtivo.

Santa Braquiária: ILPF mudou juízo sobre capim para o gado

Por que o senhor cunhou a expressão “Santa Braquiária”?

Por que era uma porcaria antigamente. Uma planta que foi trazida da África para pastagem. Ninguém deu muita bola para ela, era um capim como qualquer outro. Na verdade, antes era o capim colonião, um belo de um capim para o gado. Mas depois o colonião foi acabando, porque a fertilidade foi acabando e a braquiária se adapta um pouco melhor na terra fraca. E foram trazendo. Até que ela foi considerada praga, que atrapalhava tudo.

Quando a gente começou o processo ILPF, a braquiária entrou logo depois da soja, e foi uma coisa fantástica. Ela produz um perfil de solo com palhada em cima e palhada em baixo, enterrada com raízes. Por isso que digo que é Santa Braquiária. Ela tem raízes que alcançam 2,5m. Ela perfura o solo e descompacta o solo. E isso resolve um problema porque se o solo está compactado na lavoura, raiz da planta não alcança os nutrientes. E é um estoque de água, porque aquela raiz morta – você passa o herbicida RoundUp em cima e ela morre – ela passa a ser uma esponja, segurando a água para a planta que vem em cima em seguida, que é a soja. Ela traz um benefício imenso. E logo depois você planta a braquiária de novo para o gado comer, é maravilhosa.

ILPF é o "fim da pastagem ridícula e do boi magro"

Há uma beleza cênica na paisagem com ILP ou ILPF, uma harmonia nos elementos. É o sistema do futuro?

Ele muda toda paisagem. Antes você tinha aquela pastagem ridícula, de pasto baixinho, de boi magro. Acaba tudo, passa a ser uma coisa bonita, verde, viçosa.

E o elemento floresta?

Ele depende muito de cada apetite. Se eu fosse pecuarista 100%, eu plantaria os três. Por que daí você tem a floresta, que é um valor que você vai capturar um pouco mais à frente, a madeira, e tem a questão do bem-estar animal. Daí planta soja no meio, capim, soja, e o boi. Em três anos, você está voltando ao mesmo lugar. Quando você conseguir fazer essa rotação, você está feliz da vida. Por que aí é que tá produzindo de fato.

Sistema encontrou no Brasil condições ideais para prosperar

E isso se pratica em outros lugares do mundo hoje?

Que eu tenha notícia, não. O Brasil é único nisso. O plantio direto, sim, tem já a soja, nos EUA, por exemplo. Mas lá fora a ILPF não tem condição de fazer porque no momento em que estamos colocando o boi no pasto aqui, lá está neve. Lá não existe segunda safra. Aqui nós temos e consideramos até uma terceira safra. A própria palhada é uma safra, porque tem um valor econômico muito grande, é um insumo, um adubo que você gerou para tua próxima atividade.

É um cartão imbatível para apresentação da sustentabilidade brasileira?

Imbatível. Tanto é que o pessoal da Cop-26 veio ao Brasil, o chefão da Cop esteve num encontro na Embrapa em Brasília, e o assunto principal foi ILPF. Eles viram o trabalho executado, conheceram a fazenda Santa Brígida, que é o projeto mais maduro e antigo que nós temos, e saíram encantados daqui.

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