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Granja Sétimo Céu, na cidade de Itanhandu (MG)
Granja Sétimo Céu, na cidade de Itanhandu (MG)| Foto: Jonathan Campos / Arquivo Gazeta do Povo

Nunca os criadores de frango olharam tanto para o céu como nos últimos meses. Seja na Europa, Ásia, América Central, Estados Unidos ou Brasil, todos monitoram atentamente a passagem de aves migratórias para assegurar que nenhum espécime doente aterrisse e entre em contato com suas criações comerciais, ou, ainda, que bombardeie os galináceos e equipamentos das fazendas com excrementos e saliva contaminados.

É assim que a gripe aviária se espalha, é assim que, em 2022, ela explodiu em número de casos no hemisfério Norte e avançou por países da América do Sul que anteriormente não tinham nenhum registro da doença. É a maior onda intercontinental da epidemia, já chegou a 70 países e em um ano obrigou o sacrifício sanitário de quase 140 milhões de frangos, mais do que nos cinco anos anteriores somados.

Rara e quase inofensiva entre seres humanos, a gripe avíaria H5N1 é devastadora tanto para as aves silvestres como para as comerciais, como galinhas, patos, gansos e perus. No Equador, o vírus chegou em novembro a uma granja de galinhas poedeiras e 50 mil, das 180 mil aves, morreram em 48h. As restantes foram sacrificadas. Mais de 5 mil pelicanos morreram nas praias do Peru e carcaças de aves infectadas apareceram também na Venezuela, Colômbia e Chile.

Bandeja de luz usada para controle da qualidade dos ovos
Bandeja de luz usada para controle da qualidade dos ovos | Jonathan Campos / Arquivo Gazeta do Povo

Preço dos ovos já teve alta nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos, a epidemia atual causou a morte de 40 milhões de galinhas poedeiras. Com o avanço do sistema de criação livre de gaiolas, essas aves acabam ficando mais expostas ao contato com o vírus do que os frangos de granjas fechadas. No mercado americano, o vírus já impactou o preço dos ovos, que alcançaram valor recorde de US$ 5,36 a dúzia (quase R$ 28,00), pressionados também pelos custos de ração e mão de obra. No surto de gripe aviária de 2015, os casos diminuíram naturalmente no mês de junho. Desta vez, no entanto, o vírus não tem ido embora, causando preocupação de impactos econômicos ainda mais acentuados.

No Brasil, que é o maior exportador global de carne de frango, com quase um terço do mercado, nunca houve casos registrados de gripe aviária, muito menos da agressiva cepa H5N1. “A proximidade do vírus em áreas costeiras da América do sul de fato cria um alerta maior para nós. Mas não é possível dizer que vai chegar aqui. Já tivemos episódios de influenza aviária outras vezes, como em 2019, no Chile, e não chegou ao Brasil”, aponta Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).  O setor, contudo, está em alerta e a ABPA recomendou suspensão total de visitas a granjas, frigoríficos e demais estabelecimentos da avicultura.

Santin acrescenta que, por ser líder global em exportações, o Brasil mantém controles de biossegurança muito fortes nos planteis industriais. “Se por acaso acontecer no plantel industrial, o governo e as empresas estão preparados para acabar com o surto imediatamente e seguir sem risco de diminuir a oferta de carne no mercado interno”, assegura.

Amazônia e cordilheira dos Andes: muros de proteção

A favor do país está o fato de o mapa de produção de aves não coincidir com o das rotas migratórias. As principais rotas, e pontos de parada, envolvem os rios Araguaia e Paraguai e lagoas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Por outro lado, a própria cordilheira dos Andes e a floresta amazônica funcionam como muros biológicos de proteção contra a chegada do vírus em maior quantidade.

O pesquisador Luizinho Caron, da Embrapa Aves e Suínos, em Concórdia (SC), observa que, até agora, a maior parte dos surtos na América do Sul aconteceu em aves silvestres ou em criações domésticas. “Em nossa avicultura de corte, a questão está bem encaminhada, porque já temos proteção antipássaros, telas de uma polegada, para impedir a aproximação das aves. Nos Estados Unidos, a quantidade de aves silvestres é muito maior do que a nossa, em função do clima e da proximidade deles com o polo norte. Lá, como na Europa e no sudoeste asiático, há grandes produções de aves aquáticas, marrecos, patos e gansos, nos mesmos lagos onde vão as aves silvestres. É uma confusão de influenza”, aponta o pesquisador.

O Brasil já tem um reconhecimento internacional de regiões sanitárias e geográficas distintas, dentro do próprio território. Assim, caso o vírus chegue por aqui, não haveria porque o país perder mercado de forma significativa. Medidas saneadoras seriam tomadas por compartimentos ou áreas. Ricardo Santin, da ABPA, vai além, e não vê motivo para qualquer embargo comercial. “A infecção em aves silvestres, em aves selvagens ou de fundo de quintal não fecha o comércio. Tanto é que os Estados Unidos e Europa estão exportando”, observa.

Restrições comerciais não são descartadas

Por outro lado, no jogo do comércio, nem sempre essas premissas acabam confirmadas. É o que aponta Juliana Ferraz, analista do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA Esalq/USP): “Pensando friamente, o pessoal age de acordo com os interesses próprios. Se essa doença vier a atingir rebanhos comerciais, que é a grande preocupação, daí sem a gente vai ter problemas. A partir do momento que surge o registro no Brasil, pode ser impeditivo para que outros países queiram aumentar as compras de carnes brasileiras ou até mesmo barrar as exportações por um período. A gente já conseguiu ver isso em relação à China com a Alemanha, no caso da peste suína africana”.

Se permanecer livre do vírus, o Brasil deve ampliar ainda mais sua fatia no mercado internacional de frango. E o recado aos consumidores é de que isso não deve se refletir no aumento de preços domésticos. “Nós estamos sempre com oferta superior ao que aumentam as exportações. Não deve haver nenhum impacto direto no mercado interno, não vai faltar carne”, assegura Santin.

Galpão de frangos de corte em Chapecó, Santa Catarina, polo da avicultura nacional
Galpão de frangos de corte em Chapecó, Santa Catarina, polo da avicultura nacional| Albari Rosa / Arquivo Gazeta do Povo

País superou a China em 2022 na produção de frango

Por vias tortas, a cadeia produtiva brasileira de aves tem sido beneficiada. Além do impacto global da gripe aviária, a guerra na Ucrânia prejudicou as exportações de um dos maiores produtores de frango da Europa. “Foi um ano em que se abriram várias janelas de oportunidades. Antes de o ano encerrar o ano, a gente já tinha batido o recorde”, sublinha Juliana Ferraz.

Os números ainda não estão fechados, mas a estimativa da ABPA é que a produção de frango brasileira tenha encerrado 2022 em 14,5 milhões de toneladas, 1,5% mais do que em 2021, levando o país a superar a China no segundo lugar do ranking mundial, atrás apenas dos Estados Unidos. Desse total, 9,7 milhões de toneladas ficam no mercado doméstico, enquanto 4,85 milhões de toneladas seguem para mais de 150 países.

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