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O produtor ‘paulista do Tocantins’, Claudevino Marques Pinheiro: ele se adaptou às particularidades do Cerrado. | Daniel Caron /Gazeta do Povo
O produtor ‘paulista do Tocantins’, Claudevino Marques Pinheiro: ele se adaptou às particularidades do Cerrado.| Foto: Daniel Caron /Gazeta do Povo

O Sul do país que se cuide. Com variedades mais adaptadas ao bioma de muito calor e umidade, a agricultura do Cerrado começa a tirar de alguns talhões de terra a mesma quantidade de sacas de soja das tradicionais áreas produtivas do Paraná e do Rio Grande do Sul.

“O solo aqui, apesar de ser arenoso, não deixa a desejar. Tem gente colhendo de algumas áreas até 78 sacas por hectare. Caprichou, produz mesmo”, diz o paulista de Votuporanga Claudevino Marques Pinheiro, de 69 anos, que há duas décadas se adapta às condições peculiares para a agricultura no Cerrado do norte do Tocantins.

Por peculiares, leia-se um calor escaldante no verão, baixa altitude e elevada umidade.

Produtividade do Tocantins está alcançando os níveis do Sul do Brasil.Daniel Caron

Nesta safra, a chegada de mais variedades de soja de longo ciclo de crescimento coincidiu com períodos de chuvas regulares na região de Guaraí, onde foram cultivados 250 mil hectares da leguminosa. Isso evitou o temido efeito “panela de pressão”, desconhecido em regiões de clima frio ou temperado, mas frequente visitante no verão do Tocantins. “Se tem umidade alta, mas não chove, o calor cozinha e mata as plantas. É o que a gente chama de escaldadura”, observa o agrônomo e produtor Rodrigo Marques Ferrari, de 28 anos, filho de gaúchos do município de Horizontina.

Ferrari acredita que a região vai ganhar muito com o “desembarque” de variedades de ciclo indeterminado. “Com essas sementes, o ciclo de crescimento pode se estender por até 80 dias, em vez de apenas 45 dias. Tive variedades precoces que pegaram quatro veranicos, ou seja, 46 dias sem chuva num ciclo de 105 dias. Se os talhões estivessem com material indeterminado, daria tempo de a soja se recuperar tranquilamente”. No entanto, para azar da família Ferrari, os talhões fustigados pelo clima tinham variedades comuns e a produtividade caiu para apenas 40 sacas por hectare.

Construção do solo

Para esse torcedor do Grêmio Porto-Alegrense que divide a lida no campo com o pai tricolor, mas tio e primos colorados, o jogo do agricultor no Cerrado é entender a dinâmica diferenciada do bioma e preparar a terra para resistir aos inevitáveis veranicos escaldantes. “O pessoal está investindo bastante no perfil do solo. O Paraná há décadas vem enriquecendo a terra com fertilizantes, calcário e palhada do plantio direto, por isso alcança produtividades tão altas. Aqui estamos aprendendo a fazer o mesmo, cultivando milheto na segunda safra para ciclar os nutrientes e formar palhada, além de adicionar adubo, gesso e calcário. A cada ano melhora”, assegura Ferrari.

Confira fotos da Expedição Safra em Guaraí

Quando a reportagem do Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo chegou à propriedade do seu Claudevino Pinheiro, ele estava escarificando o solo da soja recém-colhida e semeando milheto. Os produtores vêm descobrindo que a escarificação é fundamental para diminuir a presença de nematoides e quebrar a compactação do solo cascalhado provocada pelo próprio calor. E isso se traduz em números. “Se escarificar e fizer palhada, dá em média 5 sacas a mais de produtividade por hectare”, conta Pinheiro. Mesma conta faz Rodrigo Ferrari.

A exemplo do que a Expedição Safra constatou no sul do Tocantins, no norte do estado a previsão também é de uma safra excepcional. No ciclo 2016/2017 a produtividade média na macrorregião de Guaraí foi de 45 sacas por hectare. Nesta temporada devem ser agregadas mais 10 sacas por hectare, chegando a uma média de 55 sacas.

Filho e pai, os produtores Rodrigo e Vanderlei Ferrari.Daniel Caron/Gazeta do Povo

Rodrigo Ferrari e o pai, Vanderlei, já colheram 70% da área de 840 hectares de soja e vão aguardar ainda mais dois meses para ceifar 140 hectares do milho plantado em dezembro. O clima, tão favorável na região, pregou uma peça nos gaúchos. “Dava para ver as mangueiras de chuva passar a dois quilômetros da propriedade, mas elas não caíam sobre a nossa lavoura. Fomos premiados. Isso derrubou nossa produtividade, que deve fechar em 50 sacas de soja por hectare”, lamenta-se Rodrigo.

O vizinho que recebeu a chuva que passou ao largo dos Ferrari foi justamente seu Claudevino, que calcula que vai alcançar média de mais de 60 sacas por hectare.

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Consultor de produtores da região, o agrônomo Luiz Antonio Menezes Gonzaga tem certeza que a produtividade vai aumentar, mas ainda não arrisca um palpite. O que ele sabe é que a agricultura seguirá abrindo novas áreas. Segundo Gonzaga, no entorno de Guaraí (Pedro Afonso, Itapirama, Santa Maria, Bom Jesus, Palmeirante, Darcinópolis, Barrado Ouro, Vanderlândia, Santa Fé do Araguaia e Goiatins, entre outros municípios) existem ainda 300 mil hectares para serem integrados à produção – 200 mil de cerrado nativo e 100 mil de pastagens degradadas.

Contramarchas

À exceção dos dois últimos anos – “quando deu uma travada” – a expansão da agricultura no Norte do Tocantins se dá a um ritmo de 5% a 8% ao ano. Mas há marchas e contramarchas. “Tem muita gente das terras mais arenosas migrando para a pecuária e alguns estão experimentando fazer integração lavoura-pecuária”, aponta Gonzaga.

Não resta dúvidas de que o Cerrado é uma terra de oportunidades para a agricultura. O operador da colheitadeira dos Ferrari, por exemplo, é um paranaense de Fênix, perto de Maringá, que está há 14 anos no Tocantins. Juliano Marangoni já comprou, junto com o pai, 553 hectares na região. “Vamos começar com pecuária, cultivar o pasto e melhorar o solo. Talvez depois a gente vá para a soja. Ir direto para a agricultura exige um capital muito alto”, diz Marangoni.

Como se vê, os grãos desafiam os bois como melhor atividade econômica nesta região em que 35% das terras têm de ser preservadas como Reserva Legal, por lei, além das áreas de preservação permanente. O que não se discute são as vantagens logísticas do Cerrado do norte do Tocantins. A soja viaja no máximo 450 km de caminhão. Os outros 800 km são percorridos em trilhos de Ferrovia Norte-Sul até o porto de São Luiz, no Maranhão.

Nesta sexta-feira a Expedição Safra da Gazeta do Povo segue subindo o mapa do país, na etapa Matopiba, desta vez rumo a Balsas, no Maranhão, e Serra do Quilombo, no Piauí.

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