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Enquanto China e União Europeia já anunciaram aumento de tarifas sobre produtos americanos, em resposta ao tarifaço de Donald Trump, o governo brasileiro adota cautela, mas uma retaliação aos Estados Unidos não está descartada.
Na semana passada, o presidente americano anunciou tarifas sobre a importação de bens de 59 países, incluindo o Brasil, que ficou com uma alíquota de 10% sobre todos os produtos que entram nos Estados Unidos.
Nesta quarta (9), o governo dos EUA anunciou que, por 90 dias, vai limitar as alíquotas de todos os países a 10% – o que vale inclusive para aqueles que tinham recebido sobretaxas maiores. A exceção é a China, que vem retaliando e recebendo retaliações e, até a publicação desta reportagem, era penalizada com uma taxa de 125%.
Entre os principais produtos do agro brasileiro exportados para os Estados Unidos estão café, soja, carne bovina, açúcar, etanol e suco de laranja.
Em reação à nova política tarifária americana, o Congresso Nacional aprovou às pressas o Projeto de Lei (PL) 2.088/2023, chamado de Lei da Reciprocidade, que autoriza o governo a retaliar países ou blocos econômicos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros.
O texto depende apenas da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para entrar em vigor.
Hoje o Brasil não adota tarifas específicas contra um país ou bloco econômico, embora adote alíquotas diferenciadas do imposto de importação sobre determinados produtos de modo a proteger segmentos do setor produtivo nacional.
O país segue uma regra da Organização Mundial do Comércio (OMC) que proíbe favorecer ou prejudicar outro membro da entidade com tarifas.
Com a nova lei, cria-se um marco legal que permite ao governo adotar contramedidas em relação a países ou blocos que adotem barreiras consideradas “inconsistentes” às exportações brasileiras, sejam de natureza tarifária ou de origem do produto (de área desmatada, por exemplo).
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Além de sobretaxar importações desses mercados, o texto permite a suspensão de acordos e até mesmo de direitos de propriedade intelectual, como patentes e royalties.
Embora analistas considerem que o agro brasileiro possa ser beneficiado com a guerra comercial iniciada por Trump, a medida é considerada um avanço nesse novo contexto.
“Eu acho que todos os países vão ter que reequipar sua diplomacia econômica no mundo, que mudou”, diz Daniel Vargas, professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getulio Vargas (FGV).
“A aprovação da Lei da Reciprocidade pelo Congresso Brasileiro é um passo necessário para que o Estado saiba participar de um jogo comercial que hoje é diferente do passado, em que as negociações não vão acontecer apenas e exclusivamente por um produtor na bolsa, mas cada vez mais vão ser mediados e influenciados pelas posições que os governos e as diplomacias dos países adotam”, acrescenta.
Governo vai priorizar diálogo e não deve usar Lei da Reciprocidade em um primeiro momento, diz Alckmin
A mobilização dos parlamentares foi elogiada pelo vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, que, no entanto, afirmou que o governo não pretende usar a nova lei em um primeiro momento.
"Congresso votou corretamente uma legislação que dá arcabouço jurídico para proteger empregos e empresas. É uma boa legislação, necessária, importante, mas não pretendemos usá-la. O que nós queremos fazer é o diálogo e a negociação [com os Estados Unidos]", disse Alckmin em entrevista ao podcast Direto de Brasília no dia 3.
Em uma nota conjunta assinada pela pasta de Alckmin e pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), o governo brasileiro destacou a aprovação do PL, mas afirmou que “governo do Brasil buscará, em consulta com o setor privado, defender os interesses dos produtores nacionais junto ao governo dos Estados Unidos”.
Segundo o comunicado, o governo “avalia todas as possibilidades de ação para assegurar a reciprocidade no comércio bilateral”, incluindo recurso à OMC, “em defesa dos legítimos interesses nacionais”.
Na terça-feira (8), em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a aprovação da Lei da Reciprocidade pelo Congresso Nacional serve para mostrar que o Brasil tem "um princípio" para negociar.
Projeto uniu governo e oposição
O PL teve amplo apoio no Congresso Nacional, unindo a base governista e a oposição. Aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado no dia 1.º, o texto já poderia seguir para a Câmara, mas foi levado à votação também no plenário do Senado por requerimento do líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), onde recebeu voto favorável dos 70 parlamentares presentes.
Encaminhado à Câmara, no dia seguinte, foi colocado em regime de urgência pela maioria dos deputados e, na sequência, em votação simbólica, também foi aprovado pelo plenário.
O texto original foi apresentado em 2023 pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) e previa o uso do princípio da reciprocidade quanto a restrições de natureza ambiental impostas pela União Europeia sobre produtos do agronegócio brasileiro.
Com a expectativa pelo tarifaço de Trump, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura de Jair Bolsonaro (PL), apresentou um substitutivo contemplando a questão tarifária.
“Em um cenário global onde as nações estão cada vez mais adotando posturas protecionistas, a Lei da Reciprocidade oferece ao Brasil um instrumento essencial para se proteger em caso de medidas desproporcionais, sempre priorizando o diálogo e a diplomacia”, disse a senadora após a aprovação do texto.
Lei servirá de "carta na manga", diz presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária
A medida foi comemorada por entidades que representam o agronegócio brasileiro. A diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori, classificou a iniciativa como “essencial diante da crescente adoção de medidas unilaterais e discriminatórias por países ou blocos econômicos, que prejudicam a competitividade e o acesso dos produtos brasileiros ao mercado internacional”.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), elogiou o rápido avanço do projeto, que, para ele, servirá como uma “carta na manga” para o país reagir a qualquer retaliação de concorrentes.
“Criamos uma legislação que nos permite enfrentar desafios impostos por outros países. É a valorização do setor produtivo e a garantia de segurança para nossos produtores rurais”, ressaltou.