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| Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo

Maior importador de frango do Brasil, para onde foram direcionados no ano passado 12,1% de todos os embarques, com receitas de US$ 811,2 milhões, a Arábia Saudita descredenciou nesta semana mais de 30 unidades frigoríficas brasileiras habilitadas à exportação. A lista oficial dos abatedouros suspensos não foi divulgada, mas há unidades da JBS e da BRF, duas das maiores empresas do setor.

A revisão dos credenciamentos já estava agendada. A decisão dos sauditas, no entanto, acontece na esteira das declarações do presidente Jair Bolsonaro, na campanha eleitoral e mesmo depois de eleito, de que irá transferir a sede da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, imitando o gesto do presidente americano Donald Trump um ano atrás. Se confirmada a mudança, Bolsonaro irá romper com o alinhamento brasileiro à posição de neutralidade da comunidade internacional, que entende que o status de Jerusalém deve ser decidido em negociações de paz. Os judeus consideram Jerusalém sua capital “indivisível”, mas os árabes reivindicam Jerusalém Oriental como capital de um futuro estado palestino.

Uma das grandes preocupações do setor de avicultura, diante das recentes posições diplomáticas do governo Bolsonaro, é de que se alastrem reações contrárias ao governo brasileiro pelos países árabes.

Frigoríficos brasileiros mantém funcionários da religião muçulmana, muitos deles imigrantes, para atender exigências dos países árabesDaniel Caron/Gazeta do Povo

“O Brasil precisa explorar a posição imparcial e a favor da paz que sempre teve. A Arábia Saudita não relacionou a suspensão dos frigoríficos à mudança de capital em Israel, mas fica difícil negociar de forma amigável quando as relações não são tão amigáveis. Os árabes sempre tiveram com o Brasil um carinho especial, de amigos e irmãos, e estou torcendo que as declarações do presidente não sejam o motivo da suspensão. Mas essas declarações não ajudam”, diz Ali Saif, diretor de certificação da empresa Cdial Halal, de São Bernardo do Campo, que atende 50 frigoríficos brasileiros que exportam para o Oriente Médio.

Em viagem ao Líbano, Saif conversou com a reportagem da Gazeta do Povo por telefone e lembrou da grande influência dos sauditas sobre os vizinhos árabes. “Arábia Saudita, Egito e Emirados são polos regionais. O que acontece ali tende a ser replicado para outros países. Eles são nossos principais parceiros. Fazer discursos negativos sobre os países não colabora com essa discussão. Temos que lembrar que são seres humanos, que ficam felizes, que ficam magoados”, enfatizou.

Critérios técnicos

Segundo a assessoria da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), cujos diretores se reuniram nesta terça-feira (22) no Ministério da Agricultura, oficialmente as razões informadas para a não renovação do licenciamento de 33 das 58 plantas habilitadas “decorrem de critérios técnicos”. Nem todas as unidades habilitadas, e agora descredenciadas, de fato exportavam para a Arábia Saudita. O impacto, efetivamente, seria sobre cinco plantas frigoríficas. Ainda assim, segundo o presidente da ABPA e ex-ministro da Agricultura, Francisco Turra, elas representam 30% do volume que atualmente é vendido para o país.

O vice-presidente e diretor técnico da ABPA Rui Vargas disse que o documento enviado pela Arábia Saudita não revela os motivos do descredenciamento. Em sua avaliação, a decisão não estaria associada a questões envolvendo uma eventual mudança da embaixada do Brasil em Israel. Para Turra, esse é um movimento de proteção do mercado doméstico já que a Arábia Saudita vem incrementando a produção local de frangos. Ali Saif concorda que o tema tem, também, um viés técnico: “É uma questão de volume de produção também. Eles não vão deixar o Brasil chegar lá e acabar com a indústria local”. “Mas o Brasil precisa resgatar a irmandade, a amizade com os árabes. É muito comum ao chegar lá e ver as pessoas felizes em ver um passaporte brasileiro. Agora, se ficar fazendo essas declarações...”

A Operação Carne Fraca, no início de 2017, que apontou várias irregularidades na fiscalização sanitária brasileira, fez aumentar o rigor do escrutínio dos países árabes em relação ao seu principal fornecedor de proteína animal. Um dos motivos da suspensão dos frigoríficos pode ser a constatação de irregularidades encontradas por técnicos de uma missão árabe que esteve no Brasil no ano passado.

O início de 2019 repete o de 2018, quando o setor foi surpreendido pelas barreiras da União Europeia. O Brasil, até então líder em exportações de carne de frango para os europeus, perdeu o posto para a Tailândia. Neste ano, se as barreiras continuarem, a Arábia Saudita deverá deixar a lista de maior importadora dessa proteína do Brasil. A China poderá assumir o posto.

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