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O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, ignora posição ideológica do PT contra defensivos agrícolas e segue liberando novos registros.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, ignora posição ideológica do PT contra defensivos agrícolas e segue liberando novos registros.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Desde o início do ano, o Ministério da Agricultura já aprovou o registro de 179 defensivos agrícolas, indicados para controle de pragas e doenças do algodão, café, ervilha, cevada, soja, milho, arroz, amendoim, grão de bico, batata, feijão e eucalipto, dentre outras culturas.

Os números chamam atenção porque a liberação de novos pesticidas foi um dos pontos mais criticados pelo PT e seus aliados na política agrícola do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No governo anterior, foram aprovados quase 2,2 mil registros, contra cerca de 1,3 mil no período Dilma/Temer e 600 no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para estudiosos de fitossanidade e segurança dos alimentos, o aumento do número de registros, lamentado pela esquerda, na verdade é um ponto positivo.

“Era para ser comemorado. Significa que estamos colocando uma ferramenta nova, que em geral já está em uso em muitos dos principais países agrícolas do mundo, e que está chegando atrasada pra gente, mas vai contribuir no sentido de acessarmos um produto mais seguro do que aqueles que já estão no mercado”, avalia Caio Carbonari, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutor em proteção de plantas.

Ministro em rota de colisão com o PT

Visões opostas e antagônicas sobre a aprovação de novos defensivos agrícolas coexistem no governo Lula. No lançamento do Plano Safra, o petista disse que não conhecia anteriormente o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, a quem vê atualmente como “uma dessas coisas boas que aconteceu em um governo que não é um clube de amigos”.

As próximas semanas e meses dirão se essa percepção de Lula será duradoura ou irá esmorecer quando o ministro entrar em rota de colisão com o Partido dos Trabalhadores, legenda do presidente. Isso não deve demorar a ocorrer, porque Fávaro assumiu compromisso com a bancada do agronegócio de defender o PL dos Defensivos Agrícolas, o Marco Temporal das Terras Indígenas e o direito à propriedade privada – dentre outros temas em que as convicções do ministro batem de frente com as posições dos petistas.

Para o PT e ambientalistas, a aprovação de registro de pesticidas segue sendo vista como uma extensão do “pacote do veneno”, como chamam o Projeto de Lei 6299/02 dos alimentos seguros, aprovado na Câmara dos Deputados e que atualiza uma legislação de mais de 30 anos.

O PL aguarda votação no Senado e é uma das prioridades da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e de Fávaro. Na Câmara, a bancada do PT votou em peso contra o projeto. O deputado Nilto Tatto (PT-SP) disse que a iniciativa apenas piora a condição do Brasil, que já seria “conhecido no mundo pelo veneno na mesa e pela contaminação ambiental pelos agrotóxicos”.

Defensivos: problema é politização de assunto técnico

A afirmação do deputado é desmentida pelo fato de o Brasil ser o segundo maior exportador agrícola do mundo, cumprindo exigências de fitossanidade de mais de 190 países.

Para Carbonari, o problema está em politizar um assunto estritamente técnico. A confusão começa quando se põe no mesmo balaio o registro de um novo produto comercial e o registro de um novo ingrediente ativo.

A maior parte dos registros concedidos anualmente no país são para defensivos genéricos, como os medicamentos das farmácias, em que os laboratórios lançam produtos com roupagem nova a partir de um ingrediente ativo já conhecido.

“Não faz muito sentido e nem há preocupação em retardar a chegada desses novos produtos, porque eles efetivamente vão contribuir para aumentar a competitividade da agricultura, pela concorrência e redução de preços”, sublinha Carbonari.

Na mesma linha argumenta José Otávio Menten, professor de fitopatologia da Esalq/USP. “É um erro muito grande achar que o consumo será maior se houver mais produtos registrados. O que haverá é mais opções de escolha por parte do agricultor e mais concorrência entre as empresas para ver quem disponibiliza os melhores produtos”, enfatiza.

Quanto às novas moléculas, ou seja, as tecnologias de última geração para combate a pragas e doenças, não existe açodamento para aprovação dos registros no Brasil. Ao contrário: é a demora que preocupa, visto que por aqui a espera das análises pode levar o triplo do tempo dos países concorrentes, que se situa entre dois e três anos.

País ainda aprova poucas novas moléculas contra pragas

Das aprovações de pesticidas feitas no governo Bolsonaro, 43% trataram de novos produtos comerciais cujos princípios ativos já tinham registro, enquanto 52,2% se enquadravam na categoria de genéricos, por também utilizarem em suas fórmulas princípios já em circulação. Apenas 4,4% se referiram a novas moléculas. O ideal, para o meio ambiente, a produção e a saúde, é que esse último índice fosse mais alto.

“Os dados mostram que produtos mais novos são melhores, tanto do ponto de vista agronômico, por serem mais eficientes e seletivos, mas também do ponto de vista toxicológico. São produtos menos tóxicos, já que as exigências para obter os registros são cada vez maiores, e são também menos impactantes para o meio ambiente, visto que os produtos atuais são usados em doses bem menores do que no passado”, argumenta Menten.

Ouvido pela Comissão de Agricultura do Senado, o pesquisador Caio Carbonari apresentou análise de impacto ambiental de moléculas registradas entre 1990 e 1999 com moléculas autorizadas a partir do ano 2000. Houve uma redução média de 29% na dosagem média empregada por produto. Na avaliação do impacto para trabalhadores rurais, consumidores finais e o ambiente, as reduções dos riscos foram de 28%, 29% e 40%, respectivamente.

“Quando comparamos produtos desenvolvidos nas décadas de 70 e 80 e que seguem no mercado hoje com os que estão aguardando registro no Brasil, temos uma redução da dose de aplicação de mais de 90%. E obviamente a dose tem uma relação muito grande com o risco, com a exposição, e essa redução é um fator extremamente positivo e importante”, aponta Carbonari.

Ainda que os ingredientes ativos tenham que ser avaliados caso a caso, o pesquisador sublinha que “de maneira geral eles são mais seguros para o ambiente, para o aplicador e para o consumidor do que a média dos produtos que já estão no mercado”.

Brasil é maior mercado do mundo para defensivos agrícolas, mas usa menos por hectare ou por alimentos produzidos do que seus principais concorrentes.
Brasil é maior mercado do mundo para defensivos agrícolas, mas usa menos por hectare ou por alimentos produzidos do que seus principais concorrentes.| Jonathan Campos / Arquivo Gazeta do Povo

É falso que Europa desova pesticidas proibidos no Brasil

Uma crítica recorrente à aprovação de novos pesticidas é de que os europeus estariam enviando para cá produtos proibidos no Velho Continente, desovando no Brasil moléculas superadas e perigosas à saúde e ao meio ambiente.

“Isso não é verdade, de forma alguma. O Brasil não usa produtos que são proibidos no mundo. Muito pelo contrário, temos produtos que eram muito importantes para nossa agricultura, que foram proibidos e saíram de nosso mercado, mas continuam em uso em muitas partes do mundo, incluindo os EUA e outras agriculturas importantes”, destaca Carbonari, citando como exemplo o herbicida Paraquat, proibido aqui em 2020.

Na maior parte dos casos, o Brasil não importa produtos comerciais, mas ingredientes ativos que são formulados em fábricas locais.

Menten, da Esalq, lembra que as agriculturas de zonas temperadas e tropicais são diferentes, e, por isso, é natural que haja muitos produtos usados na Europa que não são usados no Brasil, e vice-versa.

“As pragas que nós temos aqui, as culturas que temos aqui são diferentes das culturas da Europa. Por exemplo, soja e algodão nós temos em grande quantidade, e são culturas que na Europa e em países de clima mais frio praticamente não existem. Por outro lado, existem algumas culturas, os cereais, principalmente o trigo, ou a oliveira, que têm um número de produtos registrados na Europa e que aqui no Brasil é muito menor, porque as áreas cultivadas e a presença de diversidade de pragas também é menor”, salienta.

PSTU e PT criticam liberação de novos defensivos

No espectro político da esquerda, o PSTU já declarou guerra ao ministro Fávaro. “A liberação de mais veneno em nossa mesa mostra que o governo Lula está comprometido com o agronegócio até a medula. Afinal, é a produção das commodities agrícolas que demanda o uso massivo de agrotóxicos. A contínua expansão da soja e da cana-de-açúcar, dentre outros monocultivos, foi acompanhada pela explosão do uso de agrotóxicos no país”, afirma o PSTU.

O PT, partido do presidente, não fica atrás. Em seu site, estampou a seguinte manchete, quando o PL dos Defensivos Agrícolas foi aprovado na Câmara: “Em defesa da vida, PT votou contra o ‘pacote do veneno’”.

Em resposta à reportagem da Gazeta do Povo, o Ministério da Agricultura informou que segue cumprindo o rito do processo de análises de registro previsto no Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, e suas alterações (art. 15). Os prazos para a concessão de registros seguem um "prisma complexo e rigoroso de um rito de análise que envolve a ANVISA, o IBAMA e o MAPA". "Todo o arcabouço infralegal prioriza os produtos considerados de baixo impacto. Salientamos, ainda, que os órgãos federais envolvidos no registro de agrotóxicos têm prazo de quatro anos para analisar os processos pendentes de registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins, mediante procedimentos específicos a serem estabelecidos pelos órgãos de agricultura, de saúde e de meio ambiente. Assim sendo, a continuidade das análises decorre de determinação legal", diz a nota do ministério.

Dentre outras mudanças, o PL 6299/02 prevê que o Ministério da Agricultura definirá os produtos que devem ter prioridade de análise. Se em dois anos não houver resposta ao pedido de registro de um novo defensivo químico, o órgão registrante será obrigado a conceder registro temporário, desde que o produto em questão já seja usado em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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