Milhares de vagas de emprego em que não é preciso “sujar as botas” estão sendo criadas pelo agronegócio brasileiro. E está faltando gente habilitada. A rápida digitalização do campo, aliada a novas demandas ligadas à sustentabilidade, criou um déficit de profissionais num setor que já responde por um terço das vagas de trabalho no País.
Apenas nas grandes fazendas, até 2030 o déficit projetado chega a 64% para técnicos em agricultura digital; ou seja, de cada dez vagas ofertadas, menos de quatro serão preenchidas. O estudo “Profissões Emergentes na Era Digital: Oportunidades e desafios na qualificação profissional para uma recuperação verde”, realizado em 2021 pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) em parceria com o Senai e com a UFRGS, apontou que em dois anos oito carreiras do agronegócio iriam gerar 178,8 mil oportunidades, mas haveria apenas 32,5 mil profissionais disponíveis para preencher essas vagas. Um gap de 82% que, mesmo no médio e longo prazo (dez anos), deve permanecer relativamente alto, na casa dos 55%.
Para o Superintende de Educação Profissional e Superior do SENAI, Felipe Morgado, as previsões não são inevitáveis nem devem criar um cenário de desânimo, mas de oportunidades. “Somente o Senai tem hoje 2,5 milhões de alunos matriculados. Existe esse gap no agronegócio, mas é possível ao Senai e ao Senar rapidamente atenderem essa demanda. As instituições do setor profissional estão se mexendo e passando a oferecer esses cursos. Precisamos também de um despertar do trabalhador e que os agricultores busquem incorporar essas novas tecnologias”, avalia.
Habilidades vão do uso de drones à compreensão da telemetria
Dentre as principais habilidades digitais exigidas nos novos empregos do agro, estão a operação de drones para vistoriar lavouras e pulverizar defensivos; o uso da telemetria para coletar dados de colheita, avaliar condições do solo, distribuir fertilizantes, analisar e tratar infestações de pragas e plantas daninhas; e o monitoramento do ambiente por meio de sensores e aplicativos que coletam dados climáticos, como ventos, temperatura e umidade.
Ao trazer avanços tecnológicos, por questão de competitividade, a própria indústria busca capacitar os funcionários de seus clientes e sua assistência técnica. Cláudio Calaça Júnior, diretor de marketing de produto da fabricante New Holland, destaca que a mudança de paradigma de mecânica para eletrônica já começou a ocorrer há dez anos. Mais recentemente, vieram com força a automação e a telemetria. “Para essas novas posições, de data analyitics e engenheiro de dados, começa a haver uma participação maior, tanto na indústria como no campo. Uma máquina no campo com telemetria está transmitindo online inúmeras informações durante todo o período de funcionamento. A gente precisa de profissionais numa central de inteligência que consigam fazer essa análise para que as soluções sejam efetivamente aplicadas”.
Nas fazendas maiores, técnicos em agricultura digital alocados de forma permanente são indispensáveis, mas para pequenos e médios produtores, a contratação de serviço bate-volta pode ser uma opção. A tendência é apontada pelo engenheiro-agrônomo José Carlos Hausknecht, sócio da MB Agro. “Temos os prestadores de serviço e as startups, que dão suporte aos agricultores e que devem criar muitos empregos. Nas fazendas, a gente vai ter cada vez mais o cara do escritório. É a pessoa que trabalha no back office, que faz planejamento e monitoramento remoto, com cada vez menos gente no campo. É um trabalho qualificado, que paga melhor, e a pessoa não precisa necessariamente ficar sofrendo debaixo do sol”, argumenta.
Cresce demanda por gestores no agronegócio
Do arado para o plantio direto, das anotações no caderno para as projeções e tabelas no tablet. Não foi apenas a forma de lidar com a terra que mudou, mas todo o processo de planejamento, administração e controle da produção e da comercialização. Em função dessa demanda por mais gestores no agro, desde 2014 a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) mantém sua própria faculdade. São cursos a distância, como Gestão do Agronegócio (3 anos), Gestão Ambiental (2 anos), Gestão de Recursos Humanos (2 anos) e Processos Gerenciais (2 anos). “Um número significativo de estudantes estão fazendo segunda graduação, porque sentiram esse gap e procuram acessar a área gerencial e tecnológica para se atualizar”, relata Alberto Santos, coordenador da Faculdade CNA.
O estudo sobre as profissões emergentes na era digital preconiza “ações imediatas para levar a digitalização até o campo, viabilizando cultivos mais eficientes que demandem menores áreas e menor desgaste de solo”. Entre as ações de curto prazo, está a necessidade de atualizar o currículo de cursos como o de engenharia agronômica, para que passem a formar engenheiros agrônomos digitais. Segundo estudo da Embrapa (2020) e da UFSM (2020), o Brasil vai precisar de 74,6 mil engenheiros agrônomos digitais para suprir a demanda de 40% das grandes fazendas, até 2030.
Nessa onda de mudanças, o levantamento prevê novas oportunidades para as mulheres das pequenas propriedades, que “podem ter foco no marketing digital para escoamento da produção ou na utilização de aplicativos para controle de compras de insumos, controle de precipitações, planejamento da lavoura, entre outros fatores relevantes, mas ainda carentes no pequeno agricultor”.
Busca por profissionais que refinem os dados coletados no campo
O setor rural tem a vantagem de requerer, prioritariamente, apenas uma atualização ou complementação de conteúdos digitais nas formações já existentes, por meio de cursos específicos ou pós-graduações. Santos, da CNA, aponta que as tecnologias embarcadas nos maquinários trouxeram vasta quantidade de dados, que podem acabar sendo inúteis se não houver quem os refine e interprete. “Esses dados estão disponíveis, às vezes de forma desmembrada, e precisam ser organizados, com gráficos e ferramentas de fácil compreensão. E o profissional precisa de uma formação multidisciplinar para não somente coletar os dados. Hoje a empregabilidade de quem se qualifica é muito grande, há grande demanda na área de gestão para o Centro-Oeste, principalmente Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, relata.
A oferta de empregos com salários melhores no Centro-Oeste foi confirmada em estudo recente da FGV Agro, em cima de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. O salário médio na agropecuária na região é de R$ 3.070,00, contra uma média nacional do setor em R$ 1.649,00. No Rio Grande do Sul, R$ 2.946,00.
O pesquisador Eduardo Diz aponta que as diferenças são acentuadas devido a realidades distintas nos estados. Traçando uma diagonal no mapa brasileiro, saindo do Espírito Santo até o Amazonas, a parte da direita, Norte e Nordeste, tem rendimentos médios bem menores do que o eixo da esquerda, das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. "As regiões mais profissionais, que se dedicam a cultura de exportação, com alta intensidade tecnológica, olhando basicamente para o mercado exportador, têm estados cujos salário médio é muito maior. A remuneração acompanha o nível de produtividade do trabalhador. Teoricamente, você paga mais por trabalhadores mais produtivos em regiões como o Mato Grosso, em que você tem irrigação, gestão logística melhor, e sistema plantio-colheita muito mais eficiente".
Domínio de ESG no agro alavanca os melhores empregos
Se além de dominar ferramentas digitais do agro, o estudante ou trabalhador tiver treinamento em práticas ambientais, sociais e de governança (ESG), ele certamente estará na mira de head-hunters. Estudo da consultoria Michael Page revela que somente neste ano já houve uma alta de 50% na busca por profissionais ligados a ESG. Entre os perfis mais buscados estão o de diretor financeiro e de ESG (salários de R$ 35 mil a R$ 50 mil), head de sustentabilidade (R$ 20 mil a R$ 25 mil), gestor de projetos para eficiência em carbono (R$ 18 mil a R$ 22 mil) e especialista em ESG (R$ 10 mil a R$ 15mil). O que está por trás dessa demanda, segundo Stephano Dedini, diretor da Michael Page para o agro, são “as demandas de investidores e da sociedade por negócios, operações e cadeias produtivas sustentáveis. É uma visão transversal do ESG em toda a companhia”.
Para além das funções de alta qualificação em ESG listadas acima, veja quais são as demais profissões emergentes no setor agrícola.
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